Uma hora de uso do narguilé corresponde à nicotina de 100 cigarros comuns e, segundo estudos internacionais, o cigarro eletrônico pode induzir ao tabagismo No Dia Nacional de Combate ao Fumo, 29 de agosto, o Conselho Federal de Medicina (CFM) chama atenção dos médicos e da sociedade sobre os riscos relacionados ao consumo do narguilé e do cigarro eletrônico, utilizados especialmente entre os jovens. A Comissão de Controle do Tabagismo do CFM produziu alerta – referendado pelo plenário da entidade – onde ressalta que todas as formas de uso do tabaco, mesmo aquelas apontadas - de forma equivocada - como menos nocivas, comprometem a saúde e uma melhor qualidade de vida. Segundo o CFM, há um acúmulo de evidências que sugerem que fumar narguilé e cigarros eletrônicos podem trazer riscos semelhantes ou mesmo maiores que outras formas de uso de tabaco, comprometendo a saúde de seus usuários. “A concentração de nicotina nesses produtos é extremamente alta. Uma hora de uso do narguilé corresponde a 100 cigarros comuns”, apontam o membro da Comissão, Alberto José de Araújo. No alerta, o CFM pede ainda que o Governo (em todas as suas esferas de decisão) elabore e implemente nas políticas públicas de combate ao tabagismo ações específicas relativas ao narguilé e ao cigarro eletrônico, com a adoção de campanhas de esclarecimento e definição de linhas de tratamento e orientação nos serviços específicos. Artesanal - Outro ponto de preocupação, segundo o CFM, é que o narguilé funciona como porta de entrada para o consumo de cigarros. “Há estudos demostrando o preocupante aumento de jovens consumindo-os. A grande parte dos fumantes de hoje começaram o vício com menos de 18 anos”, relata Araújo. O comércio do narguilé no Brasil não é proibido por ser considerado “produto artesanal”. O alerta com relação aos cigarros eletrônicos (e-cigarros) - proibido no Brasil pela Anvisa, desde 2009 – está vinculado aos efeitos de longo prazo, sobretudo comportamentais. De acordo com estudos internacionais, como produto que libera níveis mais baixos de toxinas do que os cigarros convencionais, ele é utilizado por alguns como subterfúgio para abandonar o tabagismo. Contudo, seu uso contínuo tem demonstrado efeito contrário, ou seja, seus usuários costumam se tornar fumantes intensos. Além disso, o e-cigarro polui o ambiente e emite um vapor de água com componentes prejudiciais à saúde. “O e-cigarro coloca o fumante com as mesmas condições e problemas do que cigarro comum. Não há indícios científicos que comprovam que este produto auxilia o fumante a largar o vício e as pessoas passivamente expostas ao aerossol (vapor) de e-cigarros também absorvem nicotina (medida como seu metabólito, a cotinina)”, alerta Araújo.
Cartilha –
O alerta aos médicos e à sociedade não foi a única iniciativa do CFM em apoio ao Dia Nacional de Combate ao Fumo. Também foi lançada uma cartilha direcionada aos profissionais relacionando as consequências do tabagismo sobre a saúde. A publicação, que se encontra disponível na íntegra para leitura e download no site do CFM, é composta de 17 temas, que apontam os problemas gerados pelo consumo ou contato com o tabaco no organismo humano. “A proposta é demostrar as consequências do tabagismo que estão cineticamente comprovadas”, disse o coordenador da Comissão de Combate ao Tabagismo do CFM, conselheiro Gerson Zafallon Martins, representante do Paraná na entidade. A cartilha será enviada aos CRMs para distribuição, bem como para entidades de classe, bibliotecas e escolas de medicina. Entre os pontos abordados, alguns se destacam pela curiosidade. Por exemplo, fumar aumenta seis vezes o risco de periodontite, o que leva à perda dos dentes. De acordo com a literatura médica, o consumo do tabaco está associado ao aumento do risco de morte súbita, acidente vascular encefálico, úlcera péptica, transtornos hepáticos, bem como à incidência de câncer “atingindo os pulmões e vários órgãos e sistemas do organismo humano”, entre outros problemas. De acordo com estatísticas oficiais, apesar da queda do número de fumantes nos últimos anos, 25 milhões de brasileiros ainda mantém o hábito. Todos os anos, o tabagismo é corresponsável pela morte de aproximadamente 200 mil pessoas no país.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS E JUSTIFICATIVA
O combate ao tabagismo no Brasil tem alcançado grandes conquistas e a redução no número de fumantes. No entanto, percebe-se que há outras formas de uso do tabaco que têm sido apontadas de forma equivocada como menos nocivas, e que, por isso, comprometem a eficácia desse esforço por uma melhor qualidade de vida. Da mesma forma, alguns dispositivos – apontados como alternativas seguras para reduzir a dependência da nicotina – podem ser fontes de malefícios. Sendo assim, apresentamos abaixo as considerações da Comissão de Controle do Tabagismo do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre o narguilé e o cigarro eletrônico (e-cigarro), baseadas nos trabalhos dos professores Dr. Carlos Alberto de Assis Viegas e Dr. Alberto José de Araújo, as quais dão argumentos e fundamentação ao Alerta 001/14. Alerta sobre o uso do narguilé (caximbo d’água, water pipe, shisha) Fumar narguilé é um método tradicional de uso do tabaco no Oriente Médio. Porém, seu consumo está cada vez mais se disseminando pela Europa e pelas Américas, especialmente entre os jovens. Atualmente, estima-se uma prevalência de 6-34% entre adolescentes do Oriente Médio e de 5-17% entre jovens americanos. O narguilé é fumado socialmente e, na maioria das vezes, compartilhado entre amigos e familiares no domicílio ou em bares e cafés, muitas vezes específicos para este fim. Em razão de sua fumaça passar por um reservatório de água, o ato de fumar narguilé é percebido, em grande parte dos seus consumidores, como sendo menos danoso para a saúde do que outras formas de uso do tabaco. A disseminação de seu consumo se deve a vários fatores, como: ser considerado, de forma geral, uma atividade social; pela interpretação equivocada de que seu uso é menos danoso para o organismo que o cigarro; e por ser um tabaco de uso inicial fácil, uma vez que sua mistura torna a fumaça adocicada e com sabores, produzindo um aroma considerado agradável. Entretanto, o acúmulo de evidências sugere que fumar narguilé pode trazer riscos semelhantes ou mesmo maiores que outras formas de uso de tabaco, comprometendo a saúde de seus usuários. Esta percepção levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar que o narguilé traz sérios riscos para a saúde. Além disso, ele funciona como porta de entrada para o consumo de cigarros, especialmente entre jovens. A Associação Americana do Pulmão o descreve como uma tendência emergente mortal. Habitualmente durante uma sessão de narguilé se queima 10g de pasta de tabaco, além do carvão. Neste processo, cada usuário inala, aproximadamente, 171 baforadas com 0,53ml de fumaça cada. Nesta fumaça são encontrados: 2,94mg de nicotina, 802mg de alcatrão e 145mg de monóxido de carbono (CO). Quando comparada com a fumaça do cigarro, estudos relatam que a fumaça do narguilé apresenta maiores concentrações de CO, nicotina, alcatrão, metais pesados, hidrocarbonetos aromáticos (cancerígenos) e aldeídos voláteis na fumaça do narguilé. Estima-se que a exposição em uma sessão de consumo do narguilé poderia corresponder a fumar 100-200 cigarros. Os fumantes absorvem uma elevada concentração de CO, que vem da queima do carvão e do tabaco e da grande quantidade de fumaça inalada. Isso pode, inclusive, causar uma intoxicação aguda por Carboxihemoglobina (COHb). Os valores considerados típicos para a concentração de COHb em não fumantes é de 1,6%, em fumantes de cigarros de 6,5% e em fumantes de narguilé de 10,1%. Outro fator relevante contra o consumo do narguilé está relacionado ao seu local de uso. Sabe-se que uma sessão em grupo fumando narguilé, em ambiente fechado, aumenta significativamente os níveis séricos de COHb e nicotina (oito e dezoito vezes, respectivamente), níveis estes que estão associados a efeitos adversos para a saúde cardiorrespiratória, o que ocorre também pela exposição passiva à fumaça do narguilé. Há relatos de efeito agudo do seu uso como disfunção da regulação autonômica dos ciclos cardíacos com redução da variabilidade do índice cardíaco, o que está associado a aumento da frequência e das pressões sistólica e diastólica sistêmicas. Já foi relatado que o uso crônico de narguilé está associado com a redução da capacidade antioxidante do organismo (aumento da injúria oxidativa), disfunção plaquetária, síndrome metabólica, doença periodontal e cânceres de pulmão, cavidade oral, lábios, esôfago, pâncreas e próstata. Finalmente, salientamos que utilização do tabaco para narguilé libera nicotina, com risco potencial para causar dependência, além de funcionar como passo inicial para o tabagismo. Assim, os dados e argumentos apresentados sugerem que não existe forma segura de consumo do tabaco e que os usuários crônicos do narguilé têm risco aumentado, significativamente, para o adoecimento e a morte prematuros. Diante desse quadro, surge como pertinente a adoção de políticas públicas para o esclarecimento da população sobre os riscos inerentes ao consumo do narguilé, bem como ações específicas para o tratamento de seus usuários. Alerta sobre o uso do cigarro eletrônico (e-cigarro, e-cigarette, e-cig, e-ciggy, ecigar, ENDS) O cigarro eletrônico (e-cigarro) foi criado, em 2003 na China, sendo proibido no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância em Saúde (ANVISA), desde 2009. Apesar disso, este produto é facilmente adquirido por meio da internet. Seus dispositivos mais comuns utilizam desde um cartucho que contém nicotina, aromatizantes ou extrato de tabaco a uma mistura líquida com variáveis concentrações de nicotina que é injetada no dispositivo. Após ligar o dispositivo, o fumante de e-cigarro ao aspirar ao fluxo de ar gerado aciona um sensor provocando o aquecimento do líquido do refil, liberando-se a nicotina e outras substâncias presentes na solução, por meio de um vapor. Assim, fumar o e-cigarro é muito similar a fumar um cigarro convencional. Além da semelhança entre o dispositivo e um cigarro convencional, até o vapor tem ingredientes para simular a tradicional “fumaça”. Todos estes aspectos reforçam o componente comportamental da dependência à nicotina, que a exemplo do cigarro convencional, é liberada por estes dispositivos. Esta proximidade não é meramente acidental, isto reforça o apelo para a iniciação dos jovens e a perpetuação da adição em adultos fumantes que mudam para este dispositivo para liberar a nicotina, conforme estudos de Dutra & Glantz (2014). Em estudo transversal com amostra de adolescentes entrevistados entre 2011-2012 no “National Youth Tobacco Survey”, os mesmos autores concluíram que o uso do e-cigarro associou-se ao aumento da chance de se tornar fumante. Além disso, o uso do e-cigarro estava associado ao tabagismo mais pesado e com redução do período de abstinência para fumar. O estudo concluiu ainda que o uso de e-cigarro não desencoraja o tabagismo e ainda pode estimulá-lo. Zhu e col, (2013) realizaram estudo populacional sobre o uso e percepção dos e-cigarro e snus nos EUA. Os resultados mostraram que 75,4% dos entrevistados já tinham ouvido falar sobre e-cigarros. Cerca de 8% haviam tentado fumar e-cigarros e 1,4% eram usuários atuais. Entre os fumantes atuais, 32,2% experimentaram e-cigarros e 6,3% eram usuários atuais. O mesmo estudo mostrou que 80% dos atuais usuários do e-cigarro eram usuários ocasionais. As mulheres eram significativamente mais propensas a experimentar e-cigarros do que os homens. Quase metade (49,5%) dos fumantes atuais era suscetível ao uso de e-cigarros no futuro. No Brasil, até o momento, não há dados sobre o consumo de cigarros eletrônicos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) planeja regular o cigarro eletrônico sob as mesmas prescrições nas quais estão incluídos os demais produtos derivados do tabaco. As preocupações dos expertos em tabagismo da OMS são reverberadas por grande parte da comunidade científica internacional que realiza pesquisas na área de controle do tabagismo. Estas vão desde a falta de informações sobre os níveis de nicotina e das demais substâncias liberadas pelos dispositivos dos e-cigarros ao receio de que a disseminação de seu uso, em larga escala, resulte em um processo de reabilitação do tabaco e isto acarrete um grave retrocesso com o enfraquecimento das políticas para prevenção e controle do tabagismo em todo o mundo. Uma das políticas que de imediato poderia ser afetada seria a que dispõe sobre os ambientes fechados livres da fumaça do tabaco. Como os dispositivos liberam “vapor” e não a fumaça dos cigarros convencionais, como seria regulado seu uso em ambientes fechados? Quais seriam os riscos dos constituintes do vapor nestes ambientes? Contudo, há grupos de pesquisadores da União Europeia que vem defendendo que os e-cigarros possam ser considerados “como substitutos da nicotina” e que seu consumo deveria ser regulado e a dispensação deveria ocorrer inclusive em farmácias, como se fossem “medicamentos” similares à terapia de reposição da nicotina. Há o temor de que o consumo de e-cigarros gere uma nova onda epidêmica de tabagismo, a partir da substituição ou associação ao consumo do cigarro convencional, afetando especificamente os jovens que poderiam ser atraídos pelo que a tecnologia desperta, pelos sabores adicionados e pelo marketing agressivo. Neste contexto, é importante ressaltar aspectos técnicos e clínicos relacionados ao consumo do e-cigarro. Para a OMS, a segurança no uso dos e-cigarros não está cientificamente demonstrada para que seu uso seja recomendado pelos médicos ou pelas autoridades sanitárias como meio para abandonar o tabagismo. Além disso, eles não são inócuos. Não se pode afirmar que o e-cigarro ajude seus consumidores a parar de fumar. Estudos populacionais longitudinais mostram que o uso do e-cigarro está associado a menores chances de interrupção do tabagismo. Um ensaio clínico randomizado comparando e-cigarros com uso de adesivos de nicotina (TRN) mostrou que, no contexto de suporte comportamental de pequena intensidade, as taxas de cessação em ambos os casos foram similares. Os riscos potenciais que o consumo de e-cigarro representa para a saúde dos usuários ainda não são conhecidos. Além disso, testes científicos indicam que os produtos variam muito na quantidade de nicotina e de outros produtos químicos que constituem o vapor que libera a nicotina. Também se constata que não existe nenhum modo seguro para os consumidores saberem o que está realmente sendo liberado pelo produto que adquiriram. Outro aspecto relevante é que o uso concomitante do e-cigarro e do cigarro convencional confere, essencialmente, um completo risco cardiovascular. Além disso, apesar de liberarem níveis mais baixos de toxinas do que os cigarros convencionais, ainda assim as liberam. Quanto às substâncias presentes nos dispositivos de e-cigarro, tem sido revelado que a maioria deles contém grandes concentrações de propileno glicol, substância que inalada provoca irritação nas vias aéreas, além de outros produtos tóxicos que têm sido detectados, em concentrações variáveis. Há ainda a formação de nitrosaminas específicas do tabaco , - ainda que em menores concentrações do que nos cigarros convencionais –; liberação de metais pesados; formaldeído e de benzeno, que são agentes reconhecidos como carcinogênicos pela IARC (International Agency Research Cancer). Ressalte-se que as pessoas passivamente expostas ao aerossol (vapor) de e-cigarros absorvem nicotina (medida como seu metabólito, a cotinina) em níveis comparáveis aos dos fumantes passivos. Ainda que haja poucas pesquisas mostrando os efeitos diretos do e-cigarro sobre a saúde, a FDA e o Centro de Controle de Doenças e Prevenção (CDC) dos EUA têm emitido alertas em 2014 sobre o registro de intoxicações em crianças que tiveram exposição ao líquido dos dispositivos de e-cigarros. O uso desses produtos pode representar um risco de envenenamento por nicotina. Ou seja, se uma criança de 30 quilos de peso engole o conteúdo de um cartucho de nicotina de 24mg isso pode causar intoxicação aguda de nicotina e provocar sua morte e um risco para a dependência de nicotina.
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