“Creio que toda a anormalidade que ocorre com o corpo, é reflexo de que alguma coisa que está abalando o psicológico. No caso da minha obesidade isso foi um ciclo vicioso. Ganhava peso e meus colegas faziam piadas, me fazendo descontar na comida. É necessária uma força externa para quebrar este ciclo.
Comecei a engordar quando tinha oito anos, apesar de não ter nenhuma recordação de como é ser magro, me recordo quando minha família começou a se preocupar com meu sobrepeso. Eu havia acabado de mudar de escola e meus colegas começaram a me chamar de gordo.
No começo eu não ligava, pois ao contrário deles, não conseguia perceber que algo estava diferente comigo. Então meu pai marcou a primeira consulta com uma endocrinologista, que disse que eu estava pesando mais de 60kg, passou uma dieta e indicou exercícios físicos.
Eu nunca tive o hábito de me alimentar como uma pessoa normal; cresci comendo os piores tipos de alimentos que uma criança poderia comer. Começar uma dieta balanceada quando se está acostumado a comer um pacote de bolachas recheadas e refrigerante no café da manhã, não foi fácil.
Meu pai me matriculou na natação, mas apesar de todas as dificuldades me saí bem, pelo menos nos dois primeiros meses. Foram cerca de 8kg perdidos e alcancei a meta que me fora passada. Porém a falta de apego ao esporte e a ausência de apoio em casa me fizeram abandonar o caminho da vida saudável pela primeira vez. Daquele momento em diante seria uma guerra e por 10 anos eu perderia uma batalha atrás da outra.
Em 2005 aconteceu um fato marcante, eu estava com 13 anos. Um grupo de estudantes foi realizar uma pesquisa em minha escola e para isso precisavam pesar as crianças. Subi na balança e ela marcou pela primeira vez os três dígitos, fiz questão de esconder da curiosidade alheia, mas não adiantou. Acredito que todo obeso sofre com essa vontade de esconder o peso através de roupas largas, pretas e não subir na balança na frente dos outros. Mas naquela vez não adiantou, meus colegas descobriram e me zoaram por muito tempo.
Foram anos ouvindo piadas e sempre sendo o último a ser escolhido para o time nas aulas de Educação Física. Tudo isso me fez entrar em depressão por muitos anos. Quando você está no fundo do poço você precisa de um impulso para poder sair de lá; após inúmeras idas e vindas em endócrinos e nutricionistas, eu não tinha essa vontade. Os problemas de saúde eram constantes: queimação no estômago, falta de ar, bolhas nos pés e dores nas pernas.
Quando tinha 17 anos, devorei uma bandeja inteira de quibes fritos, passei mal, vomitei e para minha surpresa saiu muito sangue da minha garganta. Na mesma semana marquei uma consulta com um gastroenterologista e após verificar meus exames descobrimos que eu estava desenvolvendo uma úlcera. Após uma conversa franca dizendo que se eu não emagrecesse iria acabar morrendo, ele me sugeriu fazer a cirurgia bariátrica.
Aquilo pareceu fantástico, afinal de uma hora pra outra eu iria emagrecer, então na mesma hora me animei e topei o procedimento. Uma semana depois me consultei com o cirurgião e ele disse que eu era um paciente com risco de vida (na época eu estava com 175kg e precisava emagrecer ao menos 10kg antes da cirurgia). Esta foi a primeira barreira depois de muito tempo sem lutar contra o peso.
O cirurgião exigiu que iniciasse um acompanhamento psicológico antes de ser operado. Iniciei um processo de emagrecimento empírico, já que não havia conseguido emagrecer nenhuma das vezes que tive acompanhamento, decidi então tentar por conta própria. Durante aquele mês eu me consultava duas vezes por semana com psicólogo, fazia caminhadas diárias e dieta.
Quando o mês chegou ao fim me consultei sem saber meu peso, uma vez que as balanças das farmácias suportavam até 150kg e eu me recusava a ir pesar no ferro velho. Para minha surpresa e de todos que duvidavam, eu havia perdido 13,5kg. Na mesma hora pensei que meus problemas haviam acabado, que iria finalmente alcançar o meu maior sonho. Porém o médico se recusou a me operar, alegando que essa era a prova de que eu conseguia emagrecer sem cirurgia.
Em um primeiro momento senti uma ira enorme, mas depois decidi aceitar o desafio. Durante aquele ano mantive minhas idas semanais ao psicólogo e iniciei um plano de exercícios que se resumiam a caminhadas durante a semana e futsal com os amigos no final de semana. Após algum tempo eu já ameaçava alguns trotes de corrida e ao final daquele ano baixei meu peso para 115kg.
Comecei a me enxergar diferente, a achar roupas em lojas normais e a ter uma boa autoestima. Iniciei a prática de outros esportes como o Karatê Kyokushin, que sempre foi um sonho, mas neste momento eu abandonei a dieta e me acomodei, ainda com sobrepeso, mantive essa situação por algum tempo.
Até que em 2011, fui ver o exame do meu sensei na academia, percebi que estava muito acomodado e decidi voltar à batalha. Esse foi meu primeiro contato com um esporte que realmente gostei e foi aí que iniciei no Karatê Kyokushin. Eu já havia emagrecido bastante, mas não conseguia baixar o peso. Apesar de ter sido um treino bem pesado me apaixonei imediatamente pela filosofia de vida proposta e esta foi a primeira vez que fiz alguma prática esportiva por gosto e não por obrigação.
A sensação de estar competindo com uma pessoa de igual para igual é inigualável. Esta foi uma das lições que o Kyokishin me passou, a igualdade entre os seres humanos, não importa o seu tamanho. Todos possuem um ponto fraco, cabe a você descobrir a melhor maneira de vencer e fazer do seu ponto fraco a sua maior fortaleza.
Comecei a praticar musculação e intensificar os treinos de karatê. Cheguei a praticar jiu-jitsu e kung fu para tentar manter o foco nas atividades físicas, em especial as artes marciais. Em 2012, um amigo me apresentou outro tipo de esporte, o montanhismo. Foi uma experiência tão intensa que não pude deixar de praticar, a sensação de estar nos lugares mais altos não é tão saborosa quanto à sensação de chegar lá. Ainda mais para quem não conseguia subir um pequeno morro e tinha que parar várias vezes no meio do caminho para respirar. Em pouco tempo baixei meu peso para 95kg. Nada se compara a sensação de estar no lugar mais alto por mérito próprio. Desde então foram mais de dez montanhas escaladas inúmeras vezes.
O processo pós-emagrecimento também é difícil, pois a parte mais dura é você saber que emagreceu o que precisava, mas ainda pode parecer gordo por causa do excesso de pele. Começa então uma etapa complicada, ainda mais pelo alto custo de uma abdominoplastia. Essa situação me deixou deprimido por um bom tempo até começar a me acostumar com a realidade.
O esporte teve um papel fundamental durante todo este processo, foi à válvula de escape por onde direcionei todas as emoções e sentimentos ruins que tomavam conta de mim durante e após o emagrecimento.
Se você não possuir um auxílio psicológico ou tiver uma válvula de escape este pode ser um fator que te levará a depressão e novamente ao ciclo vicioso. Por isso o esporte é tão importante, pois atua como regulador natural da ansiedade além de dar uma sensação prazerosa. Ver o seu corpo mudando através da musculação é algo que não tem preço”.
DESAFIO SUPERADO
Hassan Mohallem é um jovem muito especial, que entendeu que não conseguiria nada sozinho e que seu insucesso estava marcado por sua falta de posicionamento pessoal, pela falta de mentalidade positiva e que tudo isso dependia dele! Virar a mesa e mudar sua história de sofrimento, seria um start que somente ele poderia dar.
Estamos sempre fazendo escolhas e para este jovem, não foi diferente. Hassan procurava paz interior e só queria se sentir alguém, queria ser visto, amado, reconhecido, ser interessante para as pessoas e sobretudo, para si mesmo.
Hoje Hassan está com 73kg a menos, com outro rosto, corpo, identidade e sem qualquer procedimento cirúrgico. Ele é um novo garoto, um jovem livre que se conheceu no esporte, no karatê, na escalada e na musculação. Sua gordura, sua tristeza, seus medos, seu ódio do mundo, sua baixo autoestima, tudo cedeu e deu espaço para o novo, ajudando-o a sentir-se livre!
Entendo como psicólogo do esporte uma máxima que diz: “O corpo não vive sem a mente!”, para Hassan essa verdade se fez real. Ele teve ajuda no processo, tanto técnico como profissional: endocrinologista, nutricionista, preparadores físicos, mestre de karatê, psicólogo, teólogo/pastor; cada um destes profissionais pode ampará-lo e encorajá-lo no processo, estendendo-lhe suas mãos e não deixando que ele desistisse da empreitada rumo a perda dos 70 kg.
Seu corpo começou a mudar, sua pele a voltar de maneira saudável e se ajustando ao novo corpo. Sua mente também mudou: o derrotismo, o medo do fracasso, o sentimento de rejeição pessoal, o estigma de sentir-se feio e a não aceitação de alguns começaram a dar lugar a sentimentos de vitória e conquista pessoal!
Esse texto foi escrito por:
Gustavo MohallemCoordenador do Espaço LIO - Saúde e Qualidade de Vida. Clínica de psicologia e nutrição. Atua com atletas de alta performance de UFC, MMA nacional e bodybuilders, sob a proposta dos IV Pilares da Qualidade de Vida. Atua também com público do senso comum, com ênfase na saúde e qualidade de vida de seus clientes. Palestrante nas áreas do esporte e saúde. Atua também como consultor em qualidade de vida.CRP: 06/84597
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