Essas dúvidas são frequentes entre pacientes e profissionais da área esportiva, principalmente no que diz respeito aos efeitos adversos secundários do álcool, como a diminuição do desempenho físico e o acúmulo de gordura, desenvolvendo a famosa barriguinha de chopp.
O principal meio de consumo do álcool é através da bebida alcoólica, produzida pela fermentação de açúcares contidos em frutas, grãos e caules (como na cana-de-açúcar), sendo essas bebidas classificadas em: fermentadas, destiladas e compostas. A bebida alcoólica pode ser considerada a droga mais vendida, gerando na população um problema de saúde pública mundial, conhecido como alcoolismo, que pode ser definido como estado de dependência psicológica e/ou física, onde o indivíduo passa a consumir o álcool de forma crônica, tendo mais repercussões negativas do que positivas, sendo essas orgânicas, psicológicas ou sociais.
Os efeitos do álcool no organismo variam de acordo com a rapidez, frequência, individualidade biológica, metabolismo, vulnerabilidade genética, sexo, estilo de vida e idade. O álcool é uma forma de carboidrato que proporciona cerca de 7kcal de energia por grama (ml) de substância pura, perdendo somente para as gorduras que fornecem em torno de 9kcal de energia por grama, sendo considerado um mal nutriente ao corpo, pois representa um tipo de caloria. Quando ingerido, é absorvido pela mucosa bucal, absorvido no esôfago e na mucosa gástrica do estômago, onde cerca de 20 a 25% do etanol, caem na corrente sanguínea, atingindo vários órgãos do corpo e tendo a primeira passagem pelas células hepáticas do fígado, iniciando seus efeitos.
O etanol continua seu percurso até o intestino delgado, na mucosa intestinal é realizada sua absorção, cerca de 75%, que passará para a circulação sanguínea gerando alterações metabólicas em diversos órgãos como coração, cérebro, músculos e atingindo novamente o fígado, onde será metabolizado. Ao atingir o sangue e percorrer os órgãos, o álcool circula até o sistema nervoso que inclui o cérebro, medula espinhal e nervos periféricos.
Efeitos sistêmicos do álcool no metabolismo corporal
O álcool altera diversas funções metabólicas, como a renal, cardiovascular, muscular, termorregulação corporal e metabolismo dos carboidratos. Ao chegar ao estômago, inicia sua ação aumentando a irritabilidade das paredes gástricas, com aumento na produção de suco gástrico podendo ocasionar gastrites e esofagites com refluxo do conteúdo gástrico.
Ainda no fígado, o álcool sofrerá sua metabolização. O órgão é um dos principais afetados pela ação tóxica dos componentes alcoólicos. Nas células hepáticas, o álcool será degradado por uma enzima denominada álcool desidrogenase (ADH), que atua na transformação do álcool em acetaldeído, com redução de NAD+ a NADH. O acetaldeído é uma substância tóxica que se liga às proteínas, modificando sua estrutura, sendo o principal fator intoxicante sistêmico, gerando o mal estar alcoólico conhecido como ressaca. Posteriormente, o acetaldeído sofre a ação de uma segunda enzima hepática, o aldeído desidrogenase, onde é oxidado a acetato, pouco menos tóxico, com nova formação de NADH. Para converter o acetaldeído em acetado pela enzima aldeído desidrogenase, o fígado necessita da glutationa, que vai diminuindo sua produção no fígado, conforme o álcool vai atingindo picos na corrente sanguínea. Ou seja, quanto mais álcool ingerido, maior será a dificuldade na produção da glutationa e maior será a dificuldade de conversão a acetado, tornando maiores os níveis de acetaldeído e assim configurando maior toxicidade ou sintomas de ressaca.
Após a conversão do acetaldeído a acetato, o mesmo passará por mais uma reação enzimática hepática, sendo convertido a acetilcoenzima A, um composto chave no metabolismo celular, fonte de energia e com importante papel na síntese e oxidação dos ácidos graxos. O aumento da concentração de NADH e Acetil CoA inibem o prosseguimento do ciclo de Krebs e levam ao aumento da síntese de gorduras, incluindo o colesterol. Esta alteração metabólica pode levar a diversas disfunções, como acúmulo de gorduras no fígado e, em casos graves, à cirrose hepática. Isso ocorre porque o álcool dificulta o transporte sanguíneo do oxigênio, retardando o tempo de chegada para as células musculares, que com a ausência de oxigênio, passarão a não utilizar de forma eficiente as gorduras para a obtenção de energia, pois para que os ácidos graxos possam ser catabolizados é necessária à presença de oxigênio e glicose. Como o O2 não foi reduzido aos tecidos como deveria, em função da ligação estável na hemoglobina causada pelo álcool, isto retratará uma quebra de gordura corporal, podendo apresentar a famosa e odiada barriguinha de chopp.
Esta afirmação pode confirmar-se, pois o organismo tendo preferência pelos compostos carboidratos para a geração de energia, acaba utilizando o álcool como preferencial pela facilidade de penetração dentro da célula, deixando a gordura corporal estocada preservada.
Sobre o metabolismo da glicose, lembramos-nos da hipoglicemia que o álcool costuma causar e isso pode ser explicado pelo aumento da concentração de NADH, que estimula a ação da enzima lactato desidrogenase para formação de lactato, o que pode causar deficiência na absorção da glicose intra-celular. O hormônio insulina é aumentado com a presença do álcool, pois eleva as concentrações sanguíneas de insulina, criando um estado de pico insulinêmico, que se levarmos em consideração aos aspectos anabólicos, podemos dizer bioquimicamente que a insulina compete com a liberação de fatores de crescimento semelhantes a ela (os IGF’s), tornando o estado anabólico deficiente e, além disso, temos o efeito lipogênico, tendo como consequência, um maior acúmulo de gordura e um efeito secundário hipotrófico sobre as musculaturas mais trabalhadas, tornando a musculatura corporal menos tonificada.
Outro destaque da ação do álcool é o aumento da secreção do hormônio cortisol, predispondo o indivíduo a maiores chances de catabolismo muscular, menor ação do sistema imunológico e supressão endógena de testosterona. Além disso, podemos dizer que o álcool é hiper-estrogênico, ou seja, induz a maiores secreções de hormônios femininos, como o estrógeno, podendo refletir nas mulheres, maiores níveis estrogênicos, podendo gerar desequilíbrios hormonais e aumento da prevalência de cânceres femininos, pois o nível alto de estrógeno nas mulheres pode ocasionar a ocorrência de determinados tipos de câncer, como o mamário. Já nos homens, o aumento do nível de estrogênios pode gerar um efeito silencioso que é refletido na inibição dos receptores da testosterona no tecido muscular e hipotálamo, configurando deficiências no metabolismo anabólico, refletindo em dificuldade no ganho de massa muscular, bem como disfunção erétil ou impotência sexual alcoólica. A inibição da secreção de testosterona pode trazer como sintomas a diminuição ou perda da força muscular, indisposição, cansaço persistente, queda de libido sexual e dificuldades de ereção.
Mais um fato negativo é que o álcool dificulta a absorção de diversos nutrientes, principalmente as vitaminas B1, B6, B3 e o ácido fólico, além da queda acentuada de potássio, magnésio, cálcio, zinco e fósforo, minerais excretados pela diminuição da secreção de ADH (hormônio antidiurético ou vasopressina) pela hipófise em virtude da presença do álcool.
Isso é facilmente entendido quando o indivíduo, após ter tomado algumas doses, começa a ir seguidamente ao banheiro urinar, pois o hormônio responsável pela retenção de água e importantes minerais, é inibido, o que pode resultar na perda de eletrólitos pelo corpo, gerando alterações em diversos órgãos como os músculos, rins e coração.
A ingestão de álcool causa desidratação no organismo, resultando prejuízo metabólico, principalmente se levarmos em consideração a questão esportiva, onde performance e recuperação física ficam comprometidas, acarretando alterações em diversos órgãos do corpo, sendo de suma importância a reposição de líquidos pós ingestão alcoólica. Falando em músculo cardíaco, sabemos que com o exercício físico, o coração tem o aumento de sua demanda em virtude do aumento do metabolismo em prol do exercício, porém o consumo de álcool frequente pode alterar a contração miocárdica do coração, uma vez que a perda de importantes minerais como o cálcio e o sódio pode diminuir a eficiência de contração cardíaca, causando alterações negativas na performance física.
Efeitos do álcool no sistema nervoso central
Ao atingir o sangue, o etanol circula até o sistema nervoso que inclui o cérebro, medula espinhal e nervos periféricos. Podendo causar efeitos mínimos quando a concentração sanguínea é mínima, porém podendo levar ao coma e consequentemente ser letal, quando atinge concentrações sanguíneas extremamente altas. Sendo um depressor do SNC, por que será que o álcool causa estimulação, euforia e estados prazerosos no indivíduo? Bem, isso ocorre porque em pequenas quantidades o etanol possui efeito depressor sobre os neurônios dopaminérgicos do sistema límbico. Esses neurônios fazem parte do que podemos mensurar de censura crítica mental, ou seja, nosso lado racional que está sempre ligado e monitorando nossas ações e comportamentos. Os neurônios dopaminérgicos inibem alguns de nossos sentimentos e emoções e, portanto a ação depressora do álcool sobre neurônios inibitórios leva à excitação, desinibição, euforia. Por esse motivo é que os usuários têm comportamentos desinibidos que normalmente não teriam coragem de fazer sem a presença bioquímica do álcool. Ao continuar ingerindo álcool ele atinge outras áreas do cérebro, com ação excitatória, passando a inibi-las e a partir daí começa a ocorrer sintomas como sonolência, torpor e até coma, dependendo de sua concentração no organismo.
Neurofisiologia do álcool
Esses estados de prazer e sociabilização são gerados pela secreção de neurotransmissores na fenda sináptica dos neurônios tais como a serotonina, dopamina. Sendo assim, o etanol ao atingir porções cerebrais, passa a inibir neurônios inibitórios como os dopaminérgicos, causando excitação temporária, porém seu mecanismo de ação perdura ao inibir neurônios com função excitatória cerebral como o neurotransmissor glutamato. O glutamato regula a secreção de um neurotransmissor cerebral excitatório chamado GABA (Acido Gama Amino Butírico). Com a inibição do glutamato, ocorre o aumento da liberação do GABA por diversas regiões cerebrais, causando inibição neuronal.
Dependendo da dose e concentração no organismo, o álcool passa a estimular os neurotransmissores GABA, aumentando e disseminando sua ação inibitória em áreas cerebrais, causando sintomas típicos do consumo do álcool que variam conforme a região afetada pelo GABA, porém quando atinge regiões como sistema límbico, passa a alterar os estados emocionais do indivíduo, deixando-o em estados exagerados de emoção, como raiva, agressividade, tristeza, euforia intensa e perda de memória. Isso ocorre porque o sistema límbico é responsável pelo controle das emoções e da memória. Já na região do cerebelo, o álcool afeta a coordenação motora dos movimentos e do equilíbrio, já que essa área é responsável pela sensibilidade motora do corpo. Por isso é muito comum observarmos pessoas submetidas à ingestão de grandes quantidades de álcool andando com dificuldades, trançando as pernas e com extrema falta de equilíbrio.
Não podemos deixar de falar do hipotálamo e da hipófise, já que é nessas regiões que temos o controle e o estímulo de secreção hormonal no corpo. O álcool age inibindo os principais hormônios estimulantes produzidos via hipotálamo-hipófise, tais como hormônios sexuais (FSH, LH, testosterona), tireoidianos (TSH,T3,T4), controle hídrico (ADH), dentre outros.
A queda hormonal pode induzir a famosa impotência sexual gerada pelo álcool inibindo a região hipotalâmica e hipofisária, que na medida que a concentração alcoólica aumenta no corpo, o indivíduo ainda pode sentir apetite sexual, sendo assim o comportamento sexual pode aumentar, mas o desempenho sexual se mostra diminuído.
O álcool funciona como um anestésico central e isso ocorre porque a estimulação do neurotransmissor GABA, causa uma inibição do córtex sensitivo cerebral, fazendo com que não haja a percepção da dor no organismo. Por fim, o álcool atinge regiões cerebrais responsáveis pelo controle central do sono e respiração, causando uma inibição parcial que pode se tornar mais acentuada dependendo do aumento da concentração no corpo. Essas regiões cerebrais são representadas pelo tronco cerebral, pelo bulbo ou medula oblonga, que quando inibido pela presença do álcool e consequentemente o GABA, podem gerar sonolência, náuseas e vômitos, queda brusca da pressão arterial sistêmica, diminuição dos batimentos cardíacos, desmaios e em doses alcoólicas muito elevadas até a morte por depressão respiratória, no qual o indivíduo deixa de respirar já que é na região do bulbo cerebral que é feito o controle da respiração.
Podemos concluir que o álcool exerce danos em diversos sistemas do organismo, incluindo o sistema neurológico, psicológico, cardiovascular, gastroenterológico, muscular, além do fisiológico envolvendo todo o metabolismo de um modo geral. Podemos dizer ainda que o álcool prejudica drasticamente o desempenho em exercícios físicos, deprimindo inúmeras funções metabólicas do organismo e tornando o processo anabólico deficiente.
Dr. Edson Carlos Z. Rosa
Cirurgião e Traumatologista Facial, Membro colaborador da Associação Brasileira de Cirurgia Crânio Maxilo Facial, da Associação Internacional de Cirurgiões Maxilo Faciais. Especialista em Fisiologia Humana e Nutrologia Esportiva.
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