Sabemos que a carga de exercício e de esforço físico a que um atleta profissional se submete é muito maior do que a de uma pessoa comum. Por isso, a avaliação médica deve ser mais completa, com exames que avaliem uma eventual presença de risco ou detecte alguma doença silenciosa. O atleta pode ter uma arritmia cardíaca que, se não diagnosticada, oferece riscos maiores, como morte súbita, seja durante a prática da atividade ou não.
Segundo recomendações brasileiras e internacionais, as avaliações pré-participação determinam que o exame clínico deverá ser acompanhado de eletrocardiograma de 12 derivações, para identificar maior risco de morte súbita. As Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia determinam este exame como obrigatório numa primeira consulta cardiológica.
Outros métodos de diagnóstico com maior eficácia também são importantes, como exame de screening. De forma completa, o mais indicado é incluir anamnese, histórico familiar e pessoal, exame físico, eletrocardiograma e um screening (rastreamento), um dos testes mais indicados para atletas de alta performance, que pode identificar doenças não reconhecidas ou pronunciadas anteriormente, em pacientes assintomáticos. Dessa forma, teremos uma avaliação muito mais detalhada.
Hoje, o país mais evoluído em relação ao teste de screening pré-participação esportiva é a Itália, onde estão os maiores grupos que estudam atletas. O Brasil evoluiu muito nos últimos anos e a área de medicina esportiva ganhou vários estudiosos, entre eles cardiologistas que se dedicam às alterações cardíacas em atletas.
A intensidade da atividade
Um estudo publicado recentemente, avaliou 52 mil atletas de alta performance e demonstrou que 919 deles foram diagnosticados com arritmias cardíacas. O acompanhamento ocorreu por um período de mais de nove anos. Nesse estudo, a arritmia mais comum detectada foi a fibrilação atrial (em 681 pacientes), seguidas por bradicardias e arritmias extrassístoles ventriculares e supraventriculares, também frequentes.
A intensidade da atividade física pode demonstrar uma relação com a incidência da fibrilação atrial (FA) e indicar que os efeitos antiarrítmicos positivos da atividade física são parcialmente anulados, quando o exercício é muito intenso. A intensidade do exercício e a capacidade aeróbica também estiveram relacionadas à maior probabilidade de diagnóstico de arritmias. Os atletas que correram por uma distância maior, de forma melhor e por mais tempo apresentaram mais arritmias que aqueles que praticaram as atividades de forma mais comedida.
Durante o esforço físico, os níveis de adrenalina e a demanda de oxigênio no miocárdio aumentam muito. Isso pode ser facilitador de arritmias cardíacas e também precipitar isquemia de coronárias (angina) ou ruptura de uma placa de gordura dentro de uma artéria coronariana, o que pode causar o infarto. Algumas arritmias cardíacas e doenças congênitas do coração podem não ser detectadas até a idade adulta pela ausência de sintomas. Assim, o exame médico pode diagnosticar uma doença silenciosa.
Síndrome do Coração de Atleta
O coração é um músculo e, quanto mais utilizado, aumenta de tamanho. Isso cria um berço para arritmias ventriculares e atriais que, na maioria das vezes, são benignas, e raramente sintomáticas. O papel do descondicionamento (redução da prática de esportes) nos pacientes com arritmias ainda é a orientação mais frequente, ainda que procedimentos terapêuticos, como ablação possam reduzir o impacto na qualidade de vida.
Por outro lado, existe a cardiopatia hipertrófica, doença que faz o músculo crescer, geralmente, de forma irregular e deformando o coração. Nesses casos, a indicação é suspender as atividades físicas imediatamente. Há um cuidado especial com a avaliação cardiovascular, pois o corpo do sedentário está adaptado a um certo grau de esforço físico. Se ele começa a se exercitar de repente, o corpo não entende e vai liberar uma carga muito alta de hormônios, o que pode levar a uma arritmia ou enfarto.
Arritmias Cardíacas
Arritmias cardíacas são alterações que ocorrem na geração ou na condução do estímulo elétrico e provocam modificações do ritmo cardíaco. A frequência e o ritmo do coração variam ao longo de um dia conforme a necessidade de oxigênio do organismo, já que a função desse órgão é bombear o sangue oxigenado pelos pulmões para todas as células do corpo.
As arritmias cardíacas apresentam-se de diversas formas: taquicardia, quando o coração bate rápido demais e bradicardia, quando as batidas são muito lentas e em descompasso, com pulsação irregular, sendo sua pior consequência a morte súbita cardíaca (MSC). O tratamento pode ser medicamentoso, realização de uma ablação ou até mesmo com o implante de marca-passo ou CDI, aparelhos implantados para controlar o ritmo do coração, seja ele rápido ou lento demais.
Para aqueles esportistas que tiveram que se submeter a um implante de marca-passo ou desfibrilador interno, é importante saber que o aparelho não impede as atividades, salvo aquelas que tragam risco de trauma no local do gerador. Atividades aeróbicas e anaeróbicas devem ser encorajadas após o primeiro mês do implante, preferencialmente evitando esforço extenuante no membro superior do lado onde está localizado o dispositivo.
É possível a realização de práticas esportivas por portadores de CDI, sem que haja maiores prejuízos ou riscos ao paciente. Entretanto, cada caso deve ser avaliado individualmente, e discutido os prós e contras com o paciente e apenas o seu cardiologista poderá liberá-lo ou não para a prática de um exercício físico.
Por último, é essencial lembrar que, assim como o atleta, qualquer pessoa pode ter uma arritmia cardíaca que, se não diagnosticada, oferece riscos maiores, como morte súbita, seja durante a prática da atividade ou não. Por isso, a cautela e o respeito ao limite do corpo são essenciais para evitar sustos, além, claro, da realização periódica de exames preventivos.
Dr. Bruno Valdigem
Doutor em cardiologia pela Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina. Especialista em cardiologia pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. Habilitado pelo departamento de estimulação cardíaca artificial da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular (SBCCV).
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