O termo ergogênico é derivado do grego “ergo” = trabalho e “gênico” = produção. Reconhecidamente, os agentes ergogênicos (AE) apresentam potencial para a maximização do desempenho, via efeitos fisiológicos, farmacológicos e/ou nutricionais. Dentre os AE nutricionais mais utilizados, temos a creatina (Cr).
Considerando os conceitos da bioquímica aplicada ao exercício, a fonte imediata para a produção de energia para a execução do esforço, são as moléculas de adenosina trifosfato (ATP) armazenadas no interior das células. O sistema energético imediato para a ressíntese de ATP, provém diretamente da degradação de outra molécula, a fosfocreatina (PCr), que é formada pela ligação de um fosfato com a Cr.
Em exercícios de alta intensidade, a necessidade de degradação da PCr para a ressíntese de ATP está consideravelmente elevada a fim de atender a demanda do esforço, entretanto, a capacidade de armazenamento de creatina total (CrT) e PCr pelo organismo é reduzida.
Assim, a capacidade de armazenamento de CrT/PCr, deve ser interpretada como um dos fatores críticos para instalação da exaustão no esforço máximo. Por isso, a suplementação com Cr é utilizada para elevar as reservas de CrT/PCr para a disponibilização imediata de energia, além de maximizar a recuperação energética entre os intervalos de recuperação, aspectos comumente inerentes/necessários aos praticantes de treinamento de força/potência.
Estudos têm associado o efeito da suplementação com Cr no aumento da força/potência e hipertrofia em atletas e praticantes de exercícios. Tais adaptações são reconhecidamente decorrentes de importantes fatores: retenção hídrica; maior disponibilidade de substrato energético para a ressíntese de ATP; aumento da expressão gênica e eficiência da tradução de proteínas relacionadas a síntese proteica; bem como proliferação de células satélites, auxiliando no remodelamento tecidual.
CREATINA X TREINAMENTO!
A Cr é sintetizada pelo fígado, rins e pâncreas a partir dos aminoácidos glicina, arginina e metionina. A Cr também é obtida pelo consumo de carne vermelha e peixes. Sabe-se que, o armazenamento de Cr no organismo ocorre de maneira distinta acerca dos tecidos, sendo que, 95% do total se encontram nos músculos esqueléticos (60-70% na forma de PCr e30-40% na forma livre), com o restante no miocárdio, músculos lisos, testículos e cérebro.
Diversos protocolos têm sido propostos na literatura científica, sendo observadas, duas fases distintas de suplementação: a de sobrecarga (FS) e a de manutenção (FM). No que diz respeito a FS, a suplementação tem sido proposta na ordem de 10, 15, 20 ou 30g de Cr (divididas em 2 a 4 porções iguais ao longo do dia, durante 5 ou 7 dias). Frente a FM, está é variável no que diz respeito a sua duração (2, 3, 5 ou 10g, em uma única porção diária, durante 3, 4, 5, 9, 10 ou 12 semanas).
Também está claro que, a maior parte da captação ocorre nos dias iniciais da suplementação. Ainda, a resposta a suplementação com Cr é variada, sendo demonstrado que a captação de Cr é relativamente baixa em cerca de 30% dos indivíduos, no entanto o delineamento de sessões submáximas durante o período de suplementação, pode aumentar em até 10% a captação de Cr. Ressalta-se que, a interdependência entre a captação de Cr, variação na resposta a suplementação e estratégias de organização do treinamento, nem sempre são consideradas de forma conjunta, podendo trazer resultados menos efetivos.
Os melhores resultados de desempenho frente a suplementação com Cr, observou-se em indivíduos que apresentaram aumento superior a 25% da concentração de CrT muscular.
Estudos recentes demonstram que a ingestão de Cr associada a carboidratos simples (glicose), pode aumentar a captação/retenção da Cr em até 60%, possivelmente por mecanismos associados a sinalização da insulina.
A fim de maximizar os efeitos da própria suplementação com Cr, é necessária a periodização da suplementação no que diz respeito a ótima alocação da FS e FM em associação/concordância com a própria periodização do treinamento, considerando as variáveis agudas do treinamento de força como frequência, volume, intensidade, recuperação. Assim, é proposta a estratégia de suplementação com Cr para indivíduos classificados como avançados em treinamento de força, tendo como associação/concordância a organização do treinamento de força especificamente explicitada.
É sugerida a suplementação com Cr, quanto a FS, pela alocação da mesma na 4° semana do 1° mês de treinamento, ou seja, onde as cargas de treino são menores em relação a 2°, 3° e 4° semana de todo o 1° mês de treinamento, objetivando o aumento mais pronunciado nos estoques de CrT/PCr, e, preparando o organismo energeticamente para a maior demanda de cargas da 1°, 2°, 3° e 4° semana do 2° mês de treinamento.
Tal proeminência na elevação dos referidos estoques energéticos para o 2° mês de treinamento pode ser creditada em decorrência de que, na 4° semana do 1° mês de treinamento, os sistemas energéticos são demandados com menor potência (velocidade de produção de ATP pelos sistemas energéticos) e capacidade (tempo de funcionamento dos sistemas energéticos), em decorrência da própria organização das variáveis agudas do treinamento, ou seja, apesar de se preconizar a manutenção de 3 séries, nota-se aumento do intervalo de recuperação entre as mesmas de 60 para 90 segundos, e, delineamento da terceira série estritamente de forma submáxima, culminando na diminuição do volume de treinamento pela própria redução do número de repetições da terceira série, especificamente na 4° semana do 1° mês de treinamento.
Adicionalmente, é sugerido o delineamento da suplementação especificamente quanto a FM, pela alocação da mesma na 1°, 2°, 3° e 4° semana do 2° mês de treinamento, ou seja, onde as cargas de treino são propositalmente maiores pelo delineamento de intensidades mais elevadas (Figura 1B), já que, a partir de então, é possível aproveitar melhor os efeitos da suplementação em decorrência do maior acúmulo de CrT/PCr pelas próprias características da organização do treinamento prévio e inicial a suplementação, especificamente na 4° semana do 1° mês de treinamento.
Em adendo, ressalta-se que, similarmente a 4° semana do 1° mês de treinamento, a 4° semana do 2° mês de treinamento apresenta uma organização com menores cargas de treino em relação a 1°, 2°, 3° semana de todo o 1° e 2°mês de treinamento respectivamente, sendo tal organização denominada de treinamento reduzido (regime de treinamento), podendo adicionalmente a referida estratégia de suplementação, contribuir para a maximização do desempenho.
Enfatiza-se que, tal proposta de periodização do treinamento em associação a estratégia de suplementação com Cr apresentada (Figura 1A e Figura 1B), não deve ser generalizada para todo e qualquer praticante de treinamento de força (nem mesmo a indivíduos classificados como avançados em treinamento de força), já que, cada indivíduo, além de apresentar o seu nível de treinabilidade, também apresenta variações relacionadas a individualidade biológica e objetivos específicos das fases de treinamento, cabendo aos profissionais, as ótimas tomadas de decisões relacionadas aos ajustes finos da própria organização do treinamento, bem como das estratégias de suplementação relacionadas.
Vale ressaltar que, frente as estratégias de suplementação com Cr, deve-se levar em consideração a organização das variáveis agudas do treinamento. A recíproca também é verdadeira, ou seja, para a própria organização do treinamento, também se deve considerar as estratégias de suplementação com Cr, quando esta é preterida.
Assim, para o ótimo aproveitamento da suplementação com Cr, tal reciprocidade mostra-se primordial, sendo necessário que, atletas e adeptos do “mundo fitness” sejam orientados por profissionais que comunguem da imediata necessidade de uma orientação eticamente responsável e com fortes bases científicas.
A necessidade de orientação responsável se faz necessária, pois frequentemente ajustes são necessários, considerando aspectos biológicos, nível de treinabilidade e objetivos individuais bem como percepção de desconforto gastrointestinal/diarreia ou riscos inerentes a própria suplementação. Frente aos riscos relacionados, vale ressaltar que, a suplementação com Cr não deve ser delineada a indivíduos com doença renal pré-existente ou apresentando risco de disfunção renal (diabetes, hipertensão e/ou reduzida taxa de filtração glomerular, dentre outras).
A investigação da função renal/hepática anteriormente a suplementação pode ser considerada por razões de segurança. Ainda, sugere-se a proporção de alternância entre o período de suplementação e a interrupção do mesmo na ordem de 1:3, a fim de proteger a função renal/hepática. Por fim, chama-se atenção para o fato de que, a maximização do desempenho nos exercícios de força/potência, além de ser dependente da própria “periodização do treinamento”, apresenta forte relação com a ótima “periodização da suplementação”.
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