MATÉRIAS DE CAPA

Edição nº08 - Evolução do Homem

Da descoberta do fogo à tecnologia que nos permite ingerir alimentos em cápsulas e a evolução dos padrões alimentares

Edição nº08 - Evolução do Homem Quando nossos ancestrais migravam de um local para outro se alimentando daquilo que a natureza proporcionava ingeriam uma variedade maior de alimentos
Crédito: REVISTA SUPLEMENTAÇÃO - ANO 03 - EDIÇÃO 08

Da descoberta do fogo à tecnologia que nos permite ingerir alimentos em cápsulas, a evolução dos padrões alimentares transformou não só a cultura e o comportamento, mas também o corpo humano. Saiba como tudo começou e que caminho nossa dieta deve tomar nos próximos anos

Que os seres humanos são animais e por isso, para garantir sua sobrevivência precisam – entre outros itens – de alimentação, todos nós sabemos. A resposta que ainda buscamos é como essa necessidade primária tornou-se decisiva para as grandes transformações que o corpo humano sofreu ao longo de anos de evolução. E mais: como esse passado pode nos ajudar fazer uma previsão do que nos reserva o futuro, para então tentarmos definir novos hábitos, mais saudáveis, no presente?

Mal ou bem passada?

Médico, biólogo e doutor em Antropologia/ Bioantropologia, Hilton P. Silva lembra que umas das principais características que nos diferenciam dos outros animais é que nós desenvolvemos a capacidade de processar os alimentos no lugar de comê-los da maneira que encontramos na natureza. De acordo com as teorias sobre nossa evolução, foi exatamente essa característica que determinou parte do desenvolvimento de nossos padrões alimentares. “Quando falamos em evolução, precisamos lembrar que esse é um processo contínuo e está relacionado a questões culturais e biológicas”, situa o estudioso. Tida como uma das principais revoluções da história humana, a descoberta do fogo foi um fator determinante para as mudanças em nossa alimentação permitindo o cozimento dos alimentos.

“Sabe-se que uma dieta crucífera não fornece um grande aporte calórico”, explica o especialista em nutrição esportiva, Rodolfo Anthero de Noronha Peres. “Pode ser considerado um grande marco, pois com isso foi possível uma alimentação com maior biodisponibilidade de nutrientes”. Silva explica que esse fato foi um grande salto para nossa evolução porque, a partir desse momento, o Homo erectus passou a ingerir e aproveitar melhor os nutrientes da carne.

Foi o processo de cozimento que tornou a carne um alimento mais fácil de ser ingerido e isso determinou importantes modificações em nosso organismo ao longo dos anos. “A maciez do alimento também facilita a ingestão de maiores quantidades de comida. Com isso, observamos uma grande evolução tanto nos aspectos físicos como cognitivos”, aponta o nutricionista. “O aumento da ingestão de carne resultou no aumento do tamanho e da complexidade do cérebro de nossos ancestrais. Mudanças como as que ocorreram só são possíveis quando há fatores como o aumento da tecnologia e a modifi cação dos padrões alimentares”, completa o antropólogo.

A nossa mastigação também foi lentamente se transformando, ou você nunca ouviu falar que o famoso dente do siso é uma herança do tempo em que fragmentar os alimentos não era uma tarefa tão fácil? “Nossa arcada dentária era maior e dispunha de um conjunto grande e complexo de dentes que bafaziam a trituração dos alimentos mais duros”. “À medida que os alimentos foram se tornando mais macios e o trabalho mais leve, nossa arcada dentária foi diminuindo”, esclarece.

Hoje, é comum que a maioria dos jovens faça a extração do terceiro molar, assim como é comum nascer sem o dente do siso. “Essa diminuição da arcada faz com que no momento em que o terceiro molar tente nascer haja uma impactação sobre os outros dentes, causando dor. Por isso ele precisa ser removido”, pontua o antropólogo. Se ao ingerir mais carne, nos tornamos mais espertos e reduzimos nosso trabalho para mastigar, a evolução e descoberta de ferramentas para fazer determinados trabalhos também deu início a um processo que os antropólogos chamam de gracilização. “Com a redução do esforço físico a que o homem era submetido, houve também uma progressiva mudança no esqueleto humano, que passou a ser cada vez mais delicado e frágil”, diz.

Quem semeia, colhe

O ditado popular serve também como ilustração para o segundo grande salto na evolução humana em termos de comportamento ligado à alimentação: a revolução Agrícola. A transição de colhedores para a prática sistemática de semear e colher fez com que os homens deixassem de ser nômades, provocou mudanças em sua dieta e gerou inúmeras consequências para sua saúde. “Exercer a atividade agrícola foi um importante fator para o empobrecimento da dieta”, diz o antropólogo.

A ideia é simples: quando nossos ancestrais migravam de um local para outro se alimentando daquilo que a natureza proporcionava ingeriam uma variedade maior de alimentos. A partir do momento em que fixa residência para exercer a atividade agrícola, dando início à vida sedentária, o homem passa a selecionar os alimentos por produtividade e compatibilidade com o solo.

Nesse processo de seleção, muitos alimentos que traziam nutrientes importantes acabaram dando lugar àqueles pobres em vitaminas e minerais e ricos em calorias, os vilões da nossa dieta atual. “Com o início da agricultura, há ‘apenas’ 10 mil anos, o homem passou a introduzir mais carboidratos e naturalmente ocorreu uma redução na atividade física até os dias de hoje”, diz o nutricionista Rodolfo Peres.

Vida em sociedade

Paralelo ao início da agricultura o homem passou também a criar animais.

O advento da agricultura e da pecuária resultou na criação de grupos com concentrações maiores de pessoas. Essa aglomeração teve consequências nos padrões de organização social. “Passamos a produzir mais do que se consumia e isso estimulou o armazenamento dos alimentos”, lembra o personal trainer unanimidade entre os praticantes de bodybuilder brasileiros, professor Waldemar Guimarães.

Com as novas descobertas o homem também passou a possuir mais tempo livre para exercer outras atividades ao invés de passar a maior parte do dia caçando e mastigando alimentos de difícil deglutição.

De acordo com o antropólogo “quanto mais gente, mais fácil a proliferação de enfermidades”, a cárie, por exemplo, que não era registrada nos povos coletores. “Também aumentaram os registros de doenças comuns ao convívio muito próximo como a cólera e tuberculose e as doenças de disseminação infantil como o sarampo, a catapora e a tuberculose”, diz.

A era das máquinas

No final do século XIX outra revolução de grande impacto para alimentação e os hábitos alimentares aconteceu: a industrialização dos alimentos. “Nesse processo fizemos uma nova seleção em nossa dieta e passamos a consumir alimentos mais refi nados e processados, além de ingerir ainda mais alimentos com grandes concentrações de açúcares e gorduras”, relata Silva. “A indústria transformou o alimento para um mais fácil consumo, conservação e transporte, mas muitas vezes pouco saudável para salientar o sabor e aumentar o tempo de conservação”, complementa Waldemar Guimarães. “Alimentos industrializados são em sua maioria saborosos, ricos em carboidratos e gorduras; mas pobres em proteínas, vitaminas, sais minerais e fibras”, diz Peres. “É muito mais fácil ingerir um biscoito recheado de chocolate no meio da tarde, do que um fi lé de frango grelhado com batatas cozidas”.

Junte isso ao fato de que para nos alimentarmos já não era mais necessário procurar a presa, abatê-la, levar até a toca, fazer o fogo e só então cozinhar e comer. O nível de atividade foi largamente reduzido e a consequência do aumento no consumo de açúcares e gorduras e diminuição da atividade física teve um resultado conhecido por quase todos que brigam contra a bafaziam lança. “A Pandemia de obesidade que vivemos atualmente”, enfatiza o doutor em antropologia. “Hoje estamos diante de um cenário completamente oposto daquele que nos fez evoluir. Se no início tínhamos que empreender um grande esforço físico para obter alimentos que tinham um valor nutricional muito mais rico, hoje temos uma considerável redução de atividade física, principalmente em consequência das tecnologias e do estilo de vida urbanizado”.

Peres destaca ainda outro momento histórico que contribuiu para alterações dos hábitos alimentares e obviamente de nossa saúde. “Acredito que o grande marco recente foi o aumento da jornada de trabalho do homem e a entrada no mercado de trabalho pela mulher”. “O casal moderno tem poucos minutos para fazer o café da manhã, pois estão atrasados para o trabalho, almoçam em restaurantes muitas vezes com opções nada saudáveis e chegam em seus lares exaustos, sendo muito mais prático ligar para o disk pizza do que preparar um jantar nutricionalmente adequado. Sem contar que os filhos acabam aprendendo esses hábitos desde muito cedo”.

Para ele, as alterações desde o último século para os dias atuais foram muito mais negativas do que positivas. “Apesar do conhecimento da ciência da nutrição ter evoluído muito nesse período, a prática alimentar de nossa sociedade está a beira do caos”, opina. “Em termos de dieta e exercício, a evolução não acompanhou nosso moderno estilo de vida. Nosso corpo precisa de exercício e uma boa alimentação para permanecer saudável e prevenir doenças”. Guimarães por sua vez, lembra que o conhecimento que se tem atualmente dos itens que compõem uma refeição são resultados do processo de estudos para industrialização. “

Muitos produtos industrializados, cuidadosamente produzidos, apenas colaboram na manutenção de possibilidades de sobrevida da espécie humana em uma época de muita gente e pouco alimento.” Há teorias que afi rmam que muitos problemas típicos da vida moderna têm origem no desequilíbrio entre as reais necessidades fisiológicas e as dietas. “Principalmente obesidade, diabetes, doenças coronarianas e hipertensão”, enfatiza o nutricionista. “Evoluímos para nos movimentar, mas nossa sociedade nos condicionou a ficarmos parados e nos alimentarmos erroneamente”.

O homem pré-histórico era fisicamente ativo, pois o exercício fazia parte de sua vida social, religiosa e cultural, o que não acontece na sociedade moderna. O próximo passo da nossa evolução depende mais uma vez da nossa cultura e daquilo que vamos escolher colocar em nossos pratos. Para o antropólogo, além da perpetuação de novos hábitos alimentares, é preciso, voltar a ter um padrão de atividade que consuma a energia que ingerirmos. “A dieta balanceada, com verduras, frutas e legumes deve voltar a fazer parte da rotina das pessoas, mas, é preciso gastar as calorias que ingerimos”, sentencia. “O exercício e uma ótima nutrição devem ser incorporados à vida cotidiana para que se pareçam completamente naturais, pois é isso que eles são”, completa o nutricionista.

Para conquistar esses novos padrões, o personal trainer dá a dica: “Só existe uma fórmula: a educação”, define. “Os bons hábitos são passados de pai para filho e com certeza esses educadores irão colaborar com a saúde das próximas gerações, na garantia de indivíduos mais aptos a vencerem os desafi os da vida moderna”.

Comida de astronauta

Para contextualizar a suplementação alimentar na evolução da alimentação, o antropólogo brinca com as antigas previsões dos f lmes de ficção científica. “Antigamente a pergunta era: será que vamos comer comida de astronauta? Alimentos em cápsula?”, brinca Silva. De certa forma é exatamente isso que acontece. “O desenvolvimento de suplementos nutricionais, principalmente os que substituem refeições, é uma continuação da tendência iniciada por nossos ancestrais: obter o máximo de retorno nutricional, no menor volume e com maior praticidade”, aponta Peres. Separar e industrializar os nutrientes em cápsulas é sim uma opção para dietas mais balanceadas atualmente e no futuro. “Os suplementos são novos, do ponto de vista evolutivo, para dizer o impacto que terão em nosso organismo. Mas sua disseminação certamente pode ajudar a manter o equilíbrio alimentar se eles atuarem como coadjuvantes daquilo que os nutricionistas chamam de reeducação alimentar”, diz o antropólogo.

Rodolfo Peres e Waldemar Guimarães também reforçam que os suplementos são uma alternativa excelente para uma dieta saudável em tempos modernos. “Como o tempo dedicado à alimentação infelizmente é cada vez menor, acredito que vários suplementos nutricionais serão a alternativa para garantir a ingestão de nutrientes em situações nas quais não existe a possibilidade de ingeri-los por meio de alimentos”, diz o primeiro. “Acho muito melhor administrar uma refeição líquida ou um mix protéico no meio do dia do que encostar o umbigo em um fast food e se encher de sanduíches engordurados e batatas fritas!”, completa o segundo.

Mesmo dentro dessa parcela de alimentos, houve uma evolução bastante significativa ao longo do tempo. “Como grandes acontecimentos na indústria de suplementação, eu considero a comercialização de produtos fonte de carboidratos um marco”, aponta o nutricionista esportivo Rodolfo Peres. “Outro grande acontecimento foi a introdução de produtos protéicos, desde a albumina até a whey protein. Com esses suplementos, a ingestão de proteínas em determinados momentos tornou-se mais prática”.  A creatina, que agora está liberada para o consumo e comercialização no Brasil, também entra nos itens de marcos históricos para a indústria dos suplementos. “É uma substância presente naturalmente em nosso organismo que pode proporcionar benefícios quando ingerida em quantidades superiores às habituais. Hoje, temos diversos suplementos que apresentam a mesma lógica”, afirma Perez.

E o futuro?

Hilton acredita que é muito difícil fazer previsões do ponto de vista evolutivo. “Não podemos dizer que a obesidade será o novo padrão da nossa espécie, porque diferente do que ocorria antigamente a população mundial é muito numerosa e hoje temos uma variabilidade genética muito grande”, explica. “Ainda precisamos entender porque algumas pessoas podem comer o que desejam, sem com isso terem problemas em relação ao peso, enquanto outras não podem escapar nem um pouco da dieta, pois ganham peso com facilidade”.

“O ideal seria atingir um padrão que tivesse um equilíbrio entre todas as vantagens que a tecnologia que desenvolvemos nos proporciona e aquilo que o nosso corpo realmente precisa”, acredita Silva. “Nossa evolução biológica é bem mais lenta do que a nossa evolução cultural”.

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