Na edição anterior mostramos o benefício da creatina na performance muscular, melhorando o desempenho, a potência, a endurance, a força de contração muscular, a hipertrofia e a recuperação do sistema muscular e como já vimos vale lembrar que a creatina tem sido usada pelos atletas como um recurso ergogênico há mais de trinta anos, desde a década de 1970.
Agora, vamos mostrar alguns benefícios da creatina em outras situações clínicas, sejam em pacientes saudáveis ou em pacientes com alguma doença, situações onde a creatina tem mostrado ser útil, eficaz e assim está abrindo uma porta para seu uso em situações além da performance esportiva.
A creatina é um suplemento barato em comparação com os medicamentos neuroprotetores, imunosupressores, anti-inflamatórios e anti-depressivos. Muitos estudos já expuseram seus benefícios neurológicos, psiquiátricos, anti-inflamatórios e antioxidantes
Na parte neurológica, temos uma vasta área de pesquisa mostrando os benefícios da suplementação de creatina monohidratada, desde situações mais simples como privação de sono e estresse, até situações graves como anoxia cerebral (falta de oxigenação do cérebro) e erros inatos do metabolismo, que são doenças onde a criança nasce com deficiência de alguma enzima ou com alterações em seu metabolismo celular que pode levá-la à deficiência mental e até mesmo ao óbito.
Em um estudo publicado na Psicopharmacology em 2006, McMorris et al, baseados na premissa de que a privação do sono tem um efeito negativo no desempenho cognitivo e psicomotor e parcialmente no estado de humor, devido as diminuições nos níveis de creatina no cérebro, a suplementação com creatina diminuiria os efeitos negativos da privação do sono. Nesse estudo foi constatado que 5g de monohidrato de creatina quatro vezes por dia, durante 7 dias, teve um efeito positivo no estado de humor e nas tarefas que colocavam estresse sobre o córtex pré-frontal comparado ao grupo placebo.
A suplementação de creatina monohidratada vem sendo estudada inclusive na pediatria, desde a prematuridade e a infância até a vida adulta, em doenças como atrofia de giros cerebrais, erros inatos do metabolismo, distrofias musculares (Distrofia facioscapuloumeral, distrofia de Becker, distrofia de Duchenne e deficiência muscular do tipo cinturas), doença de McArdle, doença de Huntington e doenças relacionadas à mitocôndria, visto que a creatina tem relação com metabolismo mitocondrial.
Tanto que a suplementação com creatina apresenta bons resultados em doenças que provocam falta de oxigenação cerebral como traumatismo craniano, isquemia cerebral e outras causas (Evangeliou, 2009). Até em Esclerose Lateral Amiotrófica a creatina demostrou seu efeito neuroprotetor em ratos (klivenyi at al, 1999).
Muitos trabalhos mostraram benefícios em situações de privação de oxigênio com a suplementação de creatina, tanto em modelos animais quanto em modelos humanos. Foi publicado no Journal of Neuroscience em 2015 dois trabalhos fantásticos relacionando à creatina e seu papel neuroprotetor na hipoxia.
Em um deles foi provocada a hipóxia em 15 indivíduos jovens saudáveis, mostrando que quando foram suplementados com creatina houve melhora no raciocínio e na atenção. Seu efeito neuromodulador, pelo aumento da disponibilidade de energia pode explicar estes efeitos, pois, há um aumento da creatina neural, aumento da excitabilidade corticomotora e evita o declínio da atenção que ocorre na privação de oxigênio.
Em doenças psiquiátricas como o transtorno bipolar e a depressão, a suplementação da creatina também mostra muitos benefícios, como demonstrado em vários estudos clínicos, tanto em ratos quanto em humanos. Um deles foi publicado em 2012 no American Journal of Psychiatry e concluiu uma resposta mais rápida e eficaz de mulheres com depressão que tomaram a suplementação, além da medicação antidepressiva. A aplicação de creatina 5g foi comparada ao grupo que não suplementou creatina, tanto inicialmente quanto dois meses depois.
Ainda a suplementação de creatina em doses entre 5 a 8g diárias pode reduzir fadiga mental quando avaliada após 6 semanas (Watanabe at al, 2002), o que inspirou um estudo realizado na Austrália em pacientes vegetarianos e veganos, nos quais a suplementação de creatina já é indicada e benéfica pela ausência da fonte dietética da mesma, já que excretamos cerca de 2g pela urina na forma de creatinina, sintetizamos apenas 1g e o outro grama seria obtido pela dieta através do consumo de carne e peixes.
Durante seis semanas 45 adultos saudáveis, vegetarianos ou veganos, tomaram 5g de creatina diariamente e foram avaliados por testes de inteligência (RAPm) e de desempenho de memória (BDS), ambas tarefas que exigem velocidade de processamento. Houve melhora na suplementação com os dois testes, o que mostra ligação da energia cerebral (melhorada com a suplementação de creatina) na influência do desempenho cerebral (Caroline Rae at al, 2003).
Alguns estudos demonstram efeito anti-inflamatório e analgésico da creatina, conseguindo reduzir sinais inflamatórios como o inchaço, a dor e os mediadores inflamatórios agudos como a histamina, a bradicinina, a serotonina, a prostaglandinas, a necrose tumoral Factor-a (TNF-a), a interleucina-1 (IL-1) e IL-6, principalmente em modelos animais (Khanna, 1978).
Outros estudos sugerem efeito imunomodulador da Creatina por down regulation (baixa regulação) de citocinas pró-inflamatórias, o que já está ligado a estes efeitos anti-inflamatórios e até aos efeitos neuroprotetores que são vistos em doenças como o Parkinson e a Esclerose lateral amiotrófica em ratos.
Podemos ver o efeito anti-inflamatório da creatina observando a diminuição progressiva da expressão de IL-6, uma citocina inflamatória, em macrófagos de ratos, ou seja, células de defesa dos mesmos, após incubação com exposição a creatina.
E quanto a seu efeito anti-oxidante?
Como os oxidantes têm a capacidade de afetar negativamente a fadiga muscular e o crescimento, foi examinado se a creatina tinha atividade antioxidante direta ‘in vitro’. Para testar esta possibilidade, foi examinado o efeito da creatina em cinco radicais livres diferentes, dentre eles peróxido de hidrogénio, radical peroxinitrato, peróxidos lipídicos (hidroperóxido de terc-butilo) e anions superóxido, mostrando diminuição em dois deles.
Para determinar se a creatina poderia proteger o DNA de danos mediados por radicais livres, Guidi et al. em 2008 descobriram que havia níveis aumentados de proteção quando se tratava com creatina previamente. Tanto este, quanto outros estudos parecidos sugerem que a creatina tem atividade antioxidante direta e que tanto a viabilidade celular como os níveis de danos ao DNA são positivamente afetados pela exposição à creatina, ou seja, protegendo o DNA.
Apesar de inúmeros estudos envolvendo a creatina é de nosso interesse clínico, nutricional e médico que a mesma seja estudada em outras patologias, tanto em modelos animais quanto em humanos, quando esta não oferecer intercorrências para os pacientes, como em doenças auto-imunes, por exemplo, vendo sua eficácia em efeito imunomodulador e anti-inflamatório. Por ser um assunto mais clínico, esperamos que tenhamos conseguido passar o assunto de forma clara e informativa. Até mais!
Tatiana Camargo Pereira Abrão
CRM 95.121-SP
Médica Endocrinologista e Nutróloga. Especialista em Endocrinologia e Metabologia, PUC/SP/2003. Pós-graduada em Nutrologia, USP/Ribeirão Preto/2004. Especialista em Nutrologia – AMB/CFM. Pós-graduada em Medicina do Esporte/2013 e Nutrologia Esportiva/2015
Paulo Cavalcante Muzy
CRM 115-573-SP
Médico pela Escola Paulista de Medicina – Unifesp/2004. Especialista em Ortopedia e Traumatologia Unifesp/2009. Diretor Médico IFBB Brasil, desde 2011, docente dos Cursos de Medicina Esportiva e Nutrologia Esportiva da Fisicursos/HZM, desde 2012 e docente dos cursos de Medicina Esportiva BWS, desde 2016
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