FISIOLOGIA DO RESULTADO

Fisiologia do Resultado: Creatina Monohidratada - Um dos suplemementos mais seguros

Ela é um nutriente não essencial encontrado na carne bovina e nos peixes

Fisiologia do Resultado: Creatina Monohidratada - Um dos suplemementos mais seguros Crédito: BANCO DE IMAGENS

Descoberta em 1800 pelo químico francês Chevreul, a creatina mono-hidratada tem sido o suplemento nutricional mais estudado, mais utilizado e de maior eficiência na melhora do desempenho em exercícios de alta intensidade e no aumento da massa muscular, além de ajudar na recuperação. Seu consumo não é considerado doping pelo Comitê Olímpico Internacional, pois é regulamentada como suplemento pela ANVISA (RDC n 18/2010).

Sintetizada no pâncreas, no fígado e nos rins a partir dos aminoácidos arginina, glicina e metionina, a creatina é um nutriente não essencial encontrado na carne bovina e nos peixes.  Ela não é sintetizada nos músculos, sendo necessário transportadores de creatina para o mesmo, mas a maioria dela é encontrada neles sob a forma de fosfocreatina (5% localizam-se no coração, cérebro e testículos). Tem-se em torno de 120g de creatina em um indivíduo de 70kg não vegetariano. 

A necessidade diária de consumo é de aproximadamente 2g, sendo que o organismo produz 1g e a excreção via renal é em torno de mais ou menos 2g. Após ser sintetizada a creatina se associa a uma molécula de fósforo (fosfocreatina), servindo de reservatório para produção rápida de energia, ou seja, regeneração mais rápida de ATP (sistema de ressíntese de trifosfato de adenosina). 

A taxa de degradação da fosfocreatina tem se mostrado maior nas fibras musculares do tipo II (contração rápida) em relação às do tipo I (contração lenta) e disponibilidade da mesma como um substrato energético nas fibras de contração rápida. Ela é considerada o possível fator limitante para a manutenção da força muscular durante um exercício de alta intensidade (Balsom et al., 1994; Greenhaff et al., 1994).

Por outro lado, Gariod et al. (1994) mostrou que a taxa de ressíntese da fosfocreatina nas fibras musculares do tipo I, é mais rápida do que nas do tipo II, devido, provavelmente, ao maior potencial aeróbio das fibras de contração lenta; portanto, este é um processo dependente de oxigênio, da fosforilação oxidativa.

Após um exercício de alta intensidade, como por exemplo, um sprint de 100 metros rasos, ou ainda uma sequência de levantamento de pesos em um treino de halterofilismo, aproximadamente metade da concentração inicial da fosfocreatina é regenerada no primeiro minuto de recuperação; a ressíntese total dela ficaria completa após aproximadamente 5 minutos (Soderlund & Hultman, 1991).

Dentre suas principais funções fisiológicas encontra-se o sistema de ressíntese de ATP (energia) em curto prazo protegendo contra variações deste no exercício, além de transportar e controlar os estoques de energia dentro da célula.  Ainda, quando utilizada durante o trabalho anaeróbio (láctico) intermediário, sua quebra previne a acidose intracelular induzida pelo exercício, causada pelo acúmulo de lactato e pelo consumo de íons H+ (hidrogênio). Então, quanto mais creatina na fibra muscular, maior a capacidade de tamponamento e maior o tempo de resistência a fadiga.  A taxa de ressíntese de creatina após exercício tende a diminuir com o tempo, caindo 8% a cada dez anos e após os trinta anos de idade (McCully & Possner, 1992).

 

INÚMEROS BENEFÍCIOS

A maioria dos estudos de suplementac?a?o com creatina tem mostrado a possibilidade de aumentar o pool orga?nico deste composto em 10 a 20%, embora alguns estudos evidenciaram acréscimo de ate? 50% em seus ni?veis totais, apo?s a suplementac?a?o em indivi?duos na?o vegetarianos (Burke & Berning, 1996). Estes autores relatam que em atletas vegetarianos o aumento chega em torno de 60%, o que torna extremamente benéfica a suplementação neste grupo, mesmo em veganos não atletas. A ampliac?a?o da reserva de energia no mu?sculo atrave?s da creatina tem permitido aprimorar o desempenho fi?sico de atletas (Volek et al., 1997; Ziegenfuss et al., 1997).

Sa?o considerados recursos ergoge?nicos as substa?ncias, os processos, ou os procedimentos que podem ou são percebidos como sendo capazes de melhorar o desempenho esportivo. A creatina demonstrou capacidade de aumentar a potência e o rendimento em atividades de explosão anaeróbica (menor que 30 segundos) e também se fez útil para a realização de treinos mais intensos; reduziu a incidência de lesão durante os períodos de treinamento em alguns estudos e demonstrou que ajuda no ganho de massa muscular na ordem de 1kg a 2,5kg após 4 a 12 semanas de uso.

Sendo assim há muitas evidências de que sua suplementação melhora a performance (força e massa musculares) e a bioenergética celular, através de mecanismos de aumento do glicogênio muscular, aumento da expressão gênica dos fatores de crescimento e redução do dano muscular. Foram demonstrados benefícios em exercícios que exigiam esforço muscular máximo, com aumento do desempenho de 5 a 15%,  no sprint isolado de 1 a 5% e no repetido de 5 a 15%.

Atualmente tem-se a suplementação da creatina como crônica, ou seja, tem que ser feita sempre e o carregamento é controverso, pois, alguns indivíduos não respondem ao carregamento; trabalhos mostram que tanto quem faz carregamento de 20g diárias de creatina mono-hidratada (0,3gr/kg/dia) por cinco a sete dias, como quem faz a fase de manutenção direto, com o consumo de 3 a 5g/dia, no final de 30 dias acabam apresentando o mesmo efeito (ACSM, 2000).  Porém, convêm frisar que a suspensão do uso faz com que os valores de creatina retornem aos níveis originais em quatro semanas (Hultman et al., 1996; Vandenberghe et al., 1997).

Há quem sugira aumento do seu efeito ergogênico no uso combinado com carboidratos, cafeína, hidroximetabutirato, beta-alanina, magnésio, bicarbonato, glicerol e proteínas. Seu uso tem sido seguro como demonstrado até o momento atual. A suplementac?a?o com creatina pode promover retenc?a?o de a?gua, provavelmente ligada a esta substa?ncia e a diminuic?a?o da produc?a?o de urina associada a? complementac?a?o, encontrada em alguns estudos, constituiria um marcador desta retenção hídrica, que inclusive pode levar a um aumento de peso (kreider, 1998; Williams, 1998).

A creatina não tem efeitos adversos sobre os rins, sendo que trabalhos com mais de cinco anos de duração mostraram segurança do mesmo, como foi demonstrado por Neves em mulheres na menopausa. Vale ressaltar que por ser precursora da creatinina, seu uso pode elevar a mesma em até 30%, sem que isso acarrete alteração na função renal ou na pressão arterial. Mesmo assim, não é recomendado seu uso por pacientes com lesão renal aguda ou crônica, com filtração glomerular reduzida, hipertensos e em diabéticos ou onde a creatinina esteja sendo usada para monitoramento da evolução. Ainda existem alguns métodos laboratoriais que apresentam reatividade cruzada correlacionada ao aumento dos níveis de creatinina (Kim and cols, 2011).

Câimbras, ruptura de fibras musculares, desidratação, náuseas, vômitos, diarreia, disfunção hepática e renal não foram demonstradas em indivíduos saudáveis com uso nas doses preconizadas. Sempre fica a recomendação de seu uso, como de qualquer suplemento, ter acompanhamento especializado de médico e nutricionista.

 

ATENÇÃO NA AVALIÇÃO CLÍNICA

Equívocos podem ser cometidos quando opta-se pelo uso da creatina como ergogênico de uma estratégia cujo objetivo é o aumento de desempenho esportivo. Como ela age potencializando a realização do trabalho físico e também a velocidade da recuperação do indivíduo (desde que as necessidades calóricas estejam devidamente ajustadas), haverá uma modificação no padrão de exames bioquímicos quanto a enzimas liberadas pelo tecido muscular estimulado assim como TGO, TGP, DHL e principalmente CK. Tal propriedade deve ser levada em consideração sempre devido a probabilidade do paciente passar por profissionais de saúde que não tem uma relação frequente com praticantes de atividade física e o paciente deve ser instruído a informar ao profissional que o assiste sobre seu uso e sobre as orientações que seu médico e nutricionista deram a respeito do uso desta substância.

O erro mais comum que notamos com o uso da creatina é a crença de que o usuário terá sua força aumentada espontaneamente, o que faz com que muitas pessoas fiquem insatisfeitas devido a expectativas não atendidas e a partir disso interrompam o uso ou façam uso de forma irregular. Vale a pena lembrar que como qualquer suplemento alimentar é o uso regular e constante que faz com que aquele determinado suplemento atinja seu objetivo primário. A força (assim como qualquer capacidade de trabalho muscular) é exercida de forma consciente e demanda volição para sua completa manifestação, logo, na vigência de uma progressão na capacidade física que demande suplementação específica, há de se ter a coerência de que uma forma específica de se abordar fisicamente o paciente se torna necessária. Tal especificidade urge um profissional de educação física que, ciente da nova estratégia suplementar, seja capaz de elaborar e acompanhar um programa de estímulo físico que aproveite esta nova condição orgânica proporcionada pelo suplemento, dando finalidade a este e dessa forma garantindo que sua finalidade será cumprida. Assim, não só temos a completa função obtida deste ergogênico como passamos a entender por poder visualizar a necessidade do verdadeiro acompanhamento multidisciplinar: onde o conhecimento é partilhado e as funções são divididas para melhor resultado do paciente.

 

Tatiana Camargo Pereira Abrão

CRM 95.121-SP

Médica Endocrinologista e Nutróloga. Especialista em Endocrinologia e Metabologia, PUC/SP/2003. Pós-graduada em Nutrologia, USP/Ribeirão Preto/2004. Especialista em Nutrologia – AMB/CFM. Pós-graduada em Medicina do Esporte/2013 e Nutrologia Esportiva/2015

Paulo Cavalcante Muzy

CRM 115-573-SP

Médico pela Escola Paulista de Medicina – Unifesp/2004. Especialista em Ortopedia e Traumatologia Unifesp/2009. Diretor Médico IFBB Brasil, desde 2011, docente dos Cursos de Medicina Esportiva e Nutrologia Esportiva da Fisicursos/HZM, desde 2012 e docente dos cursos de Medicina Esportiva BWS, desde 2016

 

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