FISIOLOGIA DO RESULTADO

Fisiologia do Resultado: Beta-alanina e seu uso baseado em evidências

Aprenda mais sobre o suplemento que tem efetividade comprovada na melhora da performance e na diminuição da fadiga muscular pós-treino

Fisiologia do Resultado: Beta-alanina e seu uso baseado em evidências O uso de suplementos nutricionais deixou de ser apenas entre os atletas.
Crédito: BANCO DE IMAGENS
Atualmente, a busca pela melhora da performance, do condicionamento físico e também da boa forma, leva pessoas de várias idades a praticarem atividades físicas, seja musculação, crossfit, corrida, ciclismo, ginástica funcional ou outra modalidade. Desse modo, atrás de um melhor desempenho físico e de um corpo mais delineado, com mais massa magra e menos gordura corporal, muitas pessoas têm procurado e utilizado suplementos nutricionais e recursos ergogênicos para atingir suas metas, em um menor tempo e com maiores resultados. 

Sendo assim, o uso de suplementos nutricionais deixou de ser apenas entre os atletas e passou a se difundir entre os não atletas que estão em busca de melhor desempenho, resultado, força e performance, como já constatado em vários trabalhos (Mochikuki, 2008; Martins e cols, 2009).

Dentre os suplementos usados tanto por atletas quanto por não atletas, temos a beta-alanina, cuja suplementação vem crescendo nos últimos anos, tanto por ser um suplemento relativamente recente, quanto por ter sido analisada em vários estudos científicos mostrando sua efetividade. Seus maiores benefícios a melhora da performance e a diminuição da fadiga muscular pós-treino (Derave e cols, 2010)

Os benefícios no aumento da performance esportiva são na verdade causados por ela ser um intermediário da síntese de carnosina, ou seja, a disponibilidade do aminoácido alanina é o fator que limita a produção intramuscular da carnosina. 

A carnosina é um dipeptídeo, ou seja, um conjunto de dois aminoácidos formados pela beta-alanina e pela histidina. A carnosina é encontrada em nosso organismo em grande quantidade nos músculos esqueléticos, mas também encontrada no cérebro, no coração, nos rins, no fígado e no cristalino.  Ela pode prover da alimentação através do consumo da carne bovina, suína, de aves e até de peixes, atentando a necessidade de possível suplementação de veganos e vegetarianos, como ocorre com a creatina.

Vários outros estudos da carnosina foram e tem sido feitos, dentre eles, os que mostram sua ação anti-oxidante (Boldyrev e cols, 1993), ação sensibilizadora das fibras musculares ao cálcio, principalmente nas fibras glicolíticas (Lamont e Miller, 1992), e sua ação participando do tamponamento intracelular, ou seja, equilíbrio ácido-básico (Harris e cols, 1990)

Ainda podemos citar estudos diversos de sua importância na cicatrização de feridas, na atenuação da neuropatia diabética, do autismo, do mal de Alzheimer e até mesmo da catarata, porém nosso objetivo aqui é citar a importância na performance e desempenho muscular.  

Sua ação no equilíbrio da acidose intramuscular (efeito buffer) é particularmente importante, sendo uma das causas do seu uso pelos atletas, pois é justamente esta acidose, esta queda do PH intracellular, que faz com que haja o aparecimento de fadiga, levando consequentemente à queda do desempenho por diminuição da tensão muscular, limitação da contração muscular e ainda inibição da enzima fosfofrutoquinase. 

A fosfofrutoquinase é uma das enzimas chave da glicólise, ou seja, quando cai o nível de ATP, a atividade desta enzima é aumentada para gerar mais energia e devido ao meio estar acidótico por elevação do citrato, ela é inibida, levando a fadiga mais rapidamente.  É aí que entra a carnosina, neste sistema de tamponamento, estabilizando o PH e melhorando o desempenho, o que é particularmente importante em exercícios de alta intensidade, como descrito por Suzuki e cols, em 2002. 

E QUANDO ELA AGE? 

Na acidose há grande produção de ácido lático e formação de íons H+, pela glicólise anaeróbica, principalmente em exercícios intensos. Mannon e colaboradores constataram que a carnosina deve ser responsável por cerca de 10% do tamponamento das células musculares. Em nosso organismo ela é encontrada em maior quantidade, aliás, praticamente o dobro nas fibras musculares de contração rápida (do tipo II) em comparação às fibras do tipo 1, de contração lenta (Harris e cols, 2006).

A suplementação de beta-alanina é capaz de aumentar as reservas de carnosina muscular em torno de 40-65%, demonstrando boa biodisponibilidade, um achado consistente e reprodutível (Bex e cols, 2014; Harris e cols 2006; Stellingwerff e cols, 2012). Este aumento das reservas de carnosina muscular é possível mesmo em atletas treinados, encontrado em torno de 47%, segundo Derave e colaboradores (2007).

Alguns fatores podem ser causas de variação da carnosina muscular, incluindo idade (seu estoque vai diminuindo com o envelhecimento), sexo (mulheres tem menos estoque de carnosina), quantidade ingerida na dieta dos aminoácidos alanina e histidina, vegetarianismo, veganismo e até quantidade do tipo de fibras musculares. 

O consumo oral de beta-alanina aumenta a disponibilidade de beta-alanina plasmática para síntese de carnosina muscular. O transporte de beta-alanina para as fibras musculares é regulado através do transportador de peptídeos PepT 2 e do transportador de taurina (o que pode levar a diminuição desta última, justamente por usarem o mesmo transportador). Uma vez dentro da célula muscular, a beta-alanina e a histidina sarcoplásmica sintetizam carnosina via enzima carnosina-sintetase.

Em um estudo publicado na Aminoacids em 2007, Stout e colaboradores constataram que mulheres suplementadas com beta-alanina durante 28 dias tiveram atraso no aparecimento da fadiga neuromuscular (melhora do limiar ventilatório, melhora da performance), o que provavelmente resultou da melhora da capacidade do tampão intracelular.

Em um outro estudo publicado no JISSN feito para avaliar os efeitos da combinação de suplementação de β-alanina com treinamento de intervalo de alta intensidade (HIIT) sobre o desempenho de resistência e o metabolismo aeróbio em homens de idade universitária, 46 homens com idade entre 22,2 ± 2,7 anos foram divididos em dois grupos aleatoriamente, sendo que um recebeu placebo e outro beta-alanina 6g/dia associada a dextrose, em duas tomadas ao dia por 21 dias, seguidos de mais 21 dias tomando beta-alanina 3g/dia associada a dextrose por mais 21 dias e ambos os grupos praticaram HIIT por seis semanas. Foi vista melhora significativa no pico de VO2, aumento da utilização de oxigênio durante o exercício, menor tempo de fadiga, maior limiar ventilatório e aumento da massa magra  no grupo suplementado com beta-alanina em comparação com o grupo placebo. 

Concluiu-se que a suplementação crônica com beta-alanina pode melhorar o HIIT, melhorando o desempenho de resistência e massa corporal magra (Smith e cols, 2009).

A suplementação de beta-alanina está associada à parestesia e rubor após doses agudas de 800mg. Este efeito colateral é considerado dependente da dose e provavelmente relacionado à cinética plasmática da beta-alanina. Estes efeitos podem afetar a destreza, o equilíbrio, a coordenação, a orientação espacial, a força e a resistência. Ainda sabe-se que a beta-alanina pode reduzir os níveis de taurina no corpo e esta é necessária para regular a composição de fluídos corporais (Harris e cols, 2006). As cápsulas de beta-alanina de liberação lenta podem minimizar os efeitos colaterais da parestesia, o que provavelmente é explicado pela concentração atenuada da mesma, atrasando seu pico plasmático, portanto, oferecem uma opção de complemento alternativa adequada.

Por fim, concluímos que vários estudos realizados com suplementação de beta-alanina mostraram aumento de carnosina muscular e que tanto indivíduos treinados quanto não treinados apresentaram melhora no desempenho, mostrando que o nível de treinamento não altera a eficácia da suplementação de beta-alanina (Kendrick e cols, 2009). Sua maior eficácia é em exercícios intensos e de curta duração, com duração de 60 a 240 segundos, não se mostrando útil em exercícios com duração menor que 60 segundos (Hobson e cols, 2012).  Ainda vale ressaltar que seu benefício aparece após seu uso crônico e que nos estudos a suplementação na maioria das vezes aparece entre 3 a 6g ao dia, porém, pelos seus efeitos colaterais já citados, é prudente iniciar com doses mais baixas (1g dividida em duas doses diárias) e sempre com cápsulas de liberação lenta. 

Por ser uma substância de uso recente e que ainda necessita de mais estudos e de mais acompanhamento a longo prazo sempre é bom sugerir cautela em seu uso e prescrição e sempre com acompanhamento regular e indicação do seu nutricionista ou médico. 

Tatiana Camargo Pereira Abrão

CRM 95.121-SP
Médica Endocrinologista e Nutróloga. Especialista em Endocrinologia e Metabologia, PUC/SP/2003. Pós-graduada em Nutrologia, USP/Ribeirão Preto/2004. Especialista em Nutrologia – AMB/CFM. Pós-graduada em Medicina do Esporte/2013 e Nutrologia Esportiva/2015

Paulo Cavalcante Muzy

CRM 115-573-SP
Médico pela Escola Paulista de Medicina – Unifesp/2004. Especialista em Ortopedia e Traumatologia Unifesp/2009. Diretor Médico IFBB Brasil, desde 2011, docente dos Cursos de Medicina Esportiva e Nutrologia Esportiva da Fisicursos/HZM, desde 2012 e docente dos cursos de Medicina Esportiva BWS, desde 2016

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