A proteína do soro do leite, whey protein, vem ganhando reconhecimento como um importante alimento funcional, além de suas atribuições de fonte proteica que ajuda na síntese muscular.
Muitos estudos vêm sendo feito em pacientes idosos – inclusive em pacientes diabéticos – no intuito de descobrir se a reposição proteica com esta proteína consegue desacelerar, juntamente ou não, com a atividade física o processo de sarcopenia (perda de massa muscular) que estas duas subpopulações sofrem com o passar dos anos.
A proteína do soro do leite é rica em peptídeos bioativos que possuem várias funções, inclusive imunológicas e são constituintes do leite materno, servindo de alimento para recém-nascidos, tendo além do papel imunológico, diversas funções fisiológicas.
Estudos em diabéticos vêm mostrando que ingerir whey protein pode ajudar a diminuir a glicemia pós-prandial, ou seja, após as refeições, através de vários mecanismos inter-relacionados, incluindo o aumento da insulina, a diminuição do esvaziamento do esmtômago (gástrico) e até diminuição do apetite e do consumo energético, através das secreções dos hormônios intestinais GLP-1 (peptídeo semelhante ao glucagon), Colecistoquinina e PPY (polipeptideo pancreático). Para isso, vamos descrever melhor suas propriedades incretinicas, ou seja, capazes de regular o metabolismo da glicose, fazendo com que haja melhora e impacto no diabetes.
A proteína do soro do leite pode ser encontrada nas formas concentrada, isolada e hidrolisada. A proteína do soro concentrada contém de 35% a 80% de proteína, sendo o restante gordura, lactose e minerais. A proteína isolada do soro contém 85% a 90% de proteína sendo o restante gordura ou lactose e a proteína do soro hidrolisada consiste em proteínas que sofreram hidrólise por enzimas proteolíticas, ou seja, já quebradas para serem absorvidas.
O custo da proteína isolada e da proteína hidrolisada do leite é mais alto, o que pode ser levado em consideração quando pensamos que será uma proteína para ser consumida regularmente e cronicamente pelo paciente.
Alguns estudos sugeriram que a proteína hidrolisada pode estimular secreção de insulina e de GIP (peptídeo insulinotrópico produtor de glicose) em maior grau que a proteína concentrada (Calbet , 2004; Power, 2009). Já Mortensen e colaboradores estudaram a diferença do efeito após 45g de proteínas, sendo estas: whey isolada, whey hidrolisada e outras duas componentes do leite (alfa-lactoalbumina e glicomacropeptideo) que foram dados juntamente com uma refeição com gorduras e carboidratos em indivíduos diabéticos, onde houve uma maior secreção de insulina após whey hidrolisada em comparação com os outros três suplementos, sustentando a hipótese dos estudos anteriores.
Partindo para o que seria incretínico, temos que este é o fenômeno pelo qual a secreção de insulina é aumentada quando se ingere a glicose e esta é absorvida via intestinal.
O GLP-1 e o GIP, exercem suas ações incretínicas e insulinotrópicas através de receptores que são expressados nas células beta – células secretoras de insulina pelo pâncreas. Depois que ingerimos alimentos que contém glicose, cerca de 2/3 da resposta insulínica são devido a estes dois hormônios. Eles são glicose-dependentes, ou seja, somente observamos esses efeitos quando a glicemia se eleva a 140 mg/dl pelo menos. Com isso, foi descoberta uma nova classe de medicamentos para diabetes, com os benefícios de apenas agirem quando havia elevação da glicemia e que não tivesse risco de hipoglicemia.
Vários estudos observaram que a proteína do soro do leite obteve uma maior resposta na secreção de GIP com o aumento associado da resposta a insulina quando comparada a administração de aminoácidos essenciais apenas (Fieseler et al,1995; Nilsson et al, 2007; Salehi et al, 2012).
As gorduras e os carboidratos são descritos como sendo os estímulos mais potentes para secreção de GLP-1 e de GIP em humanos, mas muitos estudos mostram a influência da proteína do soro do leite nesta mesma estimulação (Simpson et al, 1985; Frid et al, 2005; Nilsson et al, 2004).
Mesmo que a capacidade do GIP em estimular a insulina esteja diminuída em diabetes tipo 2 – pelo menos em parte devido aos efeitos da hiperglicemia crônica – mantemos o efeito do GLP-1. Neste gancho temos como a whey protein poderia auxiliar a liberação hormonal tanto do GLP-1 quanto da insulina (estimulada por proteína) e enxergá-lo como um agente coadjuvante no tratamento do diabetes.
Sabemos ainda que o esvaziamento gástrico desempenha papel importante na determinação da concentração glicêmica pós-prandial, ou seja, há um abrandamento da glicemia após as refeições, pois existe demora no esvaziamento gástrico (Horowitz et al, 1996; Rayner et al, 2001; Kojecky et al, 2008; Jones et al, 1996). Em seres humanos saudáveis, a associação de proteína retarda o esvaziamento gástrico levando a diminuição da glicemia pós-prandial, como demonstrado por Karamanlis em 2004. Da mesma forma, isso foi observado em diabéticos tipo 2 (Ma. J et al, 2009).
O esvaziamento gástrico e a inibição do apetite ocorre por hormônios intestinais além do GIP e do GLP-1; temos a ação da colecistoquinina (CCK) e peptídeo YY (PYY). Estes hormônios também são estimulados destes hormônios por meio da ingestão da whey protein, mostrando mais um benefício em potencial para a utilização da proteína do soro do leite em diabéticos. Além desta ação no esvaziamento gástrico, temos a ação da diminuição da motilidade do antro gástrico e também da contração do esfíncter pilórico, na saída do estômago, que controla a saída de nutrientes deste, o que resulta também da desaceleração do esvaziamento gástrico.
Estudos demonstraram que a ingestão de proteína do soro do leite suprime as ondas de contração do antro estomacal e também do duodeno, ou seja, retarda a motilidade da musculatura intestinal.
Soenen e colaboradores estudou os efeitos da whey protein no apetite e na diminuição da ingesta alimentar, avaliando também a relação disso com a motilidade intestinal (antropiloroduodenal), mostrando aumento da saciedade e diminuição dos movimentos peristálticos do intestino com a whey.
Com tudo isso, tem sido estudado o efeito de pré-carga, ou seja, a administração de uma pequena carga de macronutrientes em um intervalo fixo antes uma refeição, de modo que a presença de nutrientes anteriormente no intestino consiga induzir a liberação de GLP-1, GIP, CCK e PYY, obtendo diminuição do esvaziamento gástrico, além do estímulo na secreção de insulina antes da refeição conseguinte.
O estudo de MaJ et al foi essencial pra isto, demonstrando muitos benefícios na administração de 55g de proteína do soro do leite antes de uma refeição principal, estabelecendo que a proteína do soro do leite pode retardar o esvaziamento gástrico substancialmente em pacientes diabéticos tipo 2 e também que o momento onde ocorre esta suplementação é fundamental para a estimulação dos hormônios intestinais, inclusive os incretínicos, levando a melhora da glicemia pós-prandial (Jakubowicz et al, 2014).
Ainda temos a ação da ingestão proteica estimulando a secreção de insulina, sendo este efeito observado em indivíduos diabéticos ou saudáveis. Além disso esse efeito é sinérgico quando associado a ingestão de carboidratos, efeito estudado por vários autores.
A proteína do soro do leite é uma fonte rica de aminoácidos essenciais e de aminoácidos de cadeia ramificada (BCAAs), já conhecidos por suas ações e propriedades insulinotrópicas, sendo estes mais insulinogênicos que os demais aminoácidos.
Este mecanismo pode ser devido a ação da leucina em estimular tanto as células beta, quanto os mecanismos subjacentes mais complexos e podem envolver o metabolismo da mitocôndria – unidade responsável pela energia celular.
Van Loon et al publicaram na Diabetes Care em 2003, que em pacientes com diabetes tipo 2 de longa data a ingestão de proteína com uma farinha de carboidratos praticamente triplicou a resposta de insulina comparada à ingestão desta farinha de carboidratos sozinha. Esta estimulação da insulina por aminoácidos continua preservada em diabéticos tipo 2, contrastando com a diminuição da resposta da insulina ao consumo de carboidratos, se compararmos com controles saudáveis.
A caseína já foi estudada e demonstrou esta ação sob a insulina, demonstrando que aminoácidos derivados das proteínas ingeridas são um estímulo para a secreção de insulina, mesmo em pacientes com diabetes tipo 2 de longa data, o que reforça pensar em ingestão de proteína do leite para potencializar a secreção de insulina pós-prandial e melhorar a glicemia pós refeição (Manders et al, 2014).
Embora seja claro que a ingestão de proteína do soro do leite tenha efeito insulinotrópico, fica a dúvida se a estimulação é suficiente para reduzir a glicemia pós-prandial em pacientes diabéticos tipo 2, que tendem a ser insulino-resistentes e muitas vezes com hiperinsulinemia.
Frid et al avaliaram o efeito da adição da proteína do soro do leite para índices de índice glicêmico elevado tomadas no café da manhã e também no almoço em pacientes com diabetes tipo 2. As respostas de insulina foram maiores após o café da manhã (31%) e almoço (57%) com soro (27,6 g) quando comparados ao consumo de presunto ou de lactose. Houve uma redução da glicemia após o almoço, mas não no café da manhã, o que pode estar correlacionado com o conteúdo diferente da refeição, ou também a maior resistência à insulina observada no estado de jejum, afetando as respostas após o café da manhã.
Porém, outros estudos em diabetes tipo 2 relataram aumentos de três a quatro vezes nas respostas de insulina para refeições contendo proteínas e carboidratos, quando comparamos com a ingestão de apenas carboidratos sozinhos e com redução da glicemia pós-prandial. Nuttall et al estudaram nove indivíduos diabéticos do sexo masculino com dieta controlada, observaram que a resposta glicêmica (AUC) à ingestão de proteína e glicose foi 1/3 menor do que após apenas a glicose sozinha e a AUC (área sobre a curva) da insulina média também foi consideravelmente maior.
Ao avaliar a magnitude das respostas glicêmicas após o consumo de proteína do soro do leite, deve-se considerar não apenas o momento da ingestão (por exemplo, seja uma pré-carga), mas também a dose, uma vez que os efeitos do soro do leite em respostas glicêmicas, bem como o apetite, parecem ser dependente da dose.
Refeições pré-carga de proteína concentrada do soro do leite em doses de 5g, 10g, 20g e 40g, e controle, foram dadas a 22 indivíduos saudáveis, seguidos 30 minutos depois por uma refeição padronizada de pizza. Quando administramos 20g e 40g, foi observada uma supressão maior do apetite quando comparada ao controle, ou da administração de 5g ou 10g de proteína do soro do leite. Além disso, foi observada uma diminuição da glicose pós-prandial de forma dose-dependente.
A proteína do soro do leite, em particular, mostrou aumentar a saciedade e reduzir a ingestão alimentar na próxima refeição em diversos estudos e este efeito é mediado por estimulação dos hormônios intestinais CCK, PYY e GLP-1 e também pela supressão do hormônio orexígeno (que estimula o apetite) grelina.
A maior supressão da fome pela whey protein, quando comparada a proteína da soja ou a caseína, está associada ao aumento das concentrações dos aminoácidos leucina, lisina, triptofano, isoleucina e treonina. Além disso, o triptofano é sintetizado em serotonina, que por si só já é conhecida por influenciar a diminuição da ingesta alimentar.
Observa-se assim que pacientes diabéticos com maior probabilidade de se beneficiar da redução da glicemia pós-prandial pela ingestão da whey protein são aqueles com leve aumento de hemoglobina glicosilada (HbA1c), que tem glicemia de jejum bem controlada, e que enfim é o grupo de pacientes nos quais a glicemia pós-prandial faz a maior contribuição relativa para HbA1c.
Contudo, combinando uma estratégia alimentar, inclusive com associação de whey protein, pacientes diabéticos menos controlados também devem ser avaliados nesta linha terapêutica. Além disso, a combinação de proteína do soro do leite com um inibidor de DPP-4 também é válida, pois trabalhos já mostraram benefícios ampliados do medicamento quando foi usada a whey protein em associação do que com o medicamento sozinho, como foi demonstrado na publicação na Diabetes Care, por Tongzhi et al, há dois anos.
Apesar de vários estudos mostrarem os inúmeros benefícios da whey protein (proteína do soro do leite) em pacientes diabéticos, seu uso deve sempre ser acompanhado por um nutricionista ou médico, de preferência com experiência em diabetes, para acompanhamento nutricional e clínico.
Tatiana Camargo Pereira Abrão
CRM 95.121-SP
Médica Endocrinologista e Nutróloga. Especialista em Endocrinologia e Metabologia, PUC/SP/2003. Pós-graduada em Nutrologia, USP/Ribeirão Preto/2004. Especialista em Nutrologia – AMB/CFM. Pós-graduada em Medicina do Esporte/2013 e Nutrologia Esportiva/2015
Paulo Cavalcante Muzy
CRM 115-573-SP
Médico pela Escola Paulista de Medicina – Unifesp/2004. Especialista em Ortopedia e Traumatologia Unifesp/2009. Diretor Médico IFBB Brasil, desde 2011, docente dos Cursos de Medicina Esportiva e Nutrologia Esportiva da Fisicursos/HZM, desde 2012 e docente dos cursos de Medicina Esportiva BWS, desde 2016
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