FISIOLOGIA DO RESULTADO

Fisiologia do resultado: Uso de creatina para diabéticos, baseado em evidências

A creatina pode ser benéfica em outras modalidades de exercício além de força, como sprints de alta intensidade ou treinamento de resistência.

Fisiologia do resultado: Uso de creatina para diabéticos, baseado em evidências Em indivíduos vegetarianos e veganos, como não fazem consumo de proteína de origem animal, ocorre uma deficiência em seus estoques no organismo.
Crédito: BANCO DE IMAGENS
Tatiana Camargo Pereira Abrão
CRM 95.121-SP
Médica Endocrinologista e Nutróloga. Especialista em Endocrinologia e Metabologia, PUC/SP/2003. Pós-graduada em Nutrologia, USP/Ribeirão Preto/2004. Especialista em Nutrologia – AMB/CFM. Pós-graduada em Medicina do Esporte/2013 e Nutrologia Esportiva/2015

Paulo Cavalcante Muzy
CRM 115-573-SP
Médico pela Escola Paulista de Medicina – Unifesp/2004. Especialista em Ortopedia e Traumatologia Unifesp/2009. Diretor Médico IFBB Brasil, desde 2011, docente dos Cursos de Medicina Esportiva e Nutrologia Esportiva da Fisicursos/HZM, desde 2012 e docente dos cursos de Medicina Esportiva BWS, desde 2016


A creatina é um dos suplementos naturais mais populares e amplamente pesquisados. A maioria dos estudos tem focado nos efeitos da creatina monohidratada no desempenho e na saúde; no entanto, muitas outras formas da creatina existentes estão comercialmente disponíveis no mercado de nutrição e de suplementos esportivos. Independentemente da forma, a suplementação com creatina tem demonstrado regularmente aumento de força, massa livre de gordura e morfologia muscular com treinamento simultâneo de resistência.

A creatina pode ser benéfica em outras modalidades de exercício além de força, como sprints de alta intensidade ou treinamento de resistência. No entanto, parece que os efeitos da creatina diminuem à medida que a duração do exercício aumenta. Mesmo que nem todos os indivíduos respondam de maneira semelhante à suplementação de creatina, é geralmente aceito que sua suplementação aumente o armazenamento de creatina e promova uma regeneração mais rápida do trifosfato de adenosina entre exercícios de alta intensidade. 

Esta suplementação melhorou os resultados e aumentou o desempenho, além de ter promovido maior adaptação de treinamento. Pesquisas mais recentes sugerem que a suplementação de creatina em quantidades de 0,1g/kg de peso corporal combinada com treinamento de resistência promova adaptações favoráveis em treinamento. Embora atualmente o uso da creatina como suplemento oral seja considerado seguro e ético, a percepção de segurança não pode ser garantida, especialmente o uso por longo período de tempo em diferentes populações (atletas, sedentários, pacientes, ativos, diabéticos, veganos, vegetarianos, jovens ou idosos). Tentaremos neste texto focar sua vantagem em pacientes diabéticos.

A creatina é produzida endogenamente em uma quantidade de cerca de 1 g/d. A síntese ocorre predominantemente no fígado, rins e, em menor grau, no pâncreas. O restante da creatina disponível para o corpo é obtida através da dieta, ou seja, cerca de 1g/d, para uma dieta onívora. O organismo consumindo 1g da dieta e produzindo endogenamente mais 1g, se iguala a taxa de degradação, em torno de 2g (creatina e fosfocreatina sofrem degradação espontânea em creatinina).

A média de creatina em um indivíduo jovem do sexo masculino pesando em torno de 70kg é cerca de 120-140g, que pode variar dependendo do tipo de fibra muscular esquelética e quantidade de massa muscular. Cerca de 95% das reservas de creatina do corpo são encontradas no músculo esquelético e os 5% restantes são distribuídos no cérebro, fígado, rim e testículos; esta é armazenada como fosfocreatina, um fosfato de alta energia envolvido na ressíntese rápida da adenosina trifostato durante a contração muscular.

O pool corporal total corresponde a, em média, 120g para um indivíduo de 70kg. Os estoques de creatina podem ser reabastecidos por meio de dieta ou síntese endógena de creatina. Como a creatina é presente predominantemente na dieta com consumo de carnes, frutos do mar e peixes, os vegetarianos, que inclusive não comem peixes, que seriam fonte alimentar de creatina, apresentam menores concentrações de creatina em repouso.

A creatina é usada e pesquisada em ambiente clínico para investigar várias patologias ou distúrbios, tais como miopatias, doenças (esclerose lateral amiotrófica, Coréia de Huntington), e também é usado como auxílio ergogênico para melhorar a saúde e o desempenho esportivo em atletas.

Quando ingerida, o uso crônico da CM melhorou o desempenho do exercício e aumentou a massa livre de gordura. Existe grande quantidade de pesquisas publicadas sobre a suplementação de creatina, como protocolos de administração, formas de creatina, bem como seus potenciais efeitos colaterais. Apesar disso, os mecanismos pelos quais a creatina age no corpo humano para melhorar o desempenho físico e cognitivo ainda não estão muito claros.

Em indivíduos vegetarianos e veganos, como não fazem consumo de proteína de origem animal, ocorre uma deficiência em seus estoques no organismo. A suplementação dietética de creatina é um meio barato e eficiente de aumentar a sua disponibilidade.

A dosagem de creatina sugerida inicialmente para a obtenção de saturação de creatina muscular era um carregamento de 20g diários por 3 a 7 dias, seguido da manutenção de 3 -5g  diários. No entanto, hoje em dia o carregamento não é mais utilizado, pois foi demonstrado e publicado no JISSN que doses menores que 3g a 5g diários, durante um período de quatro semanas, atingem a saturação de creatina da mesma forma, a longo prazo (Cooper et al, 2012).

A creatina funciona como um sistema de ressíntese de ATP em curto prazo, tendo o potencial de aumentar a concentração de ATP na miofibrila, ao mesmo tempo que eleva o nível de ADP dentro da mitocôndria (balanceamento da relação entre ATP e ADP intracelular).

Músculos e tecidos ósseos necessitam de altos níveis de energia para iniciar movimentos rápidos e que necessitam de rápida recuperação, onde o uso desta via desempenha um importante papel e também tem benefício em melhorar o desempenho mental. Foi demonstrado que a suplementação de creatina em idosos aprimora a qualidade de vida, aumentando a força muscular e resistência à fadiga, além de melhorar o desempenho em atividades diárias e prevenindo perda de massa óssea.

A creatina também não apresenta efeitos deletérios aos rins se usada na dose de 3 a 5g diárias, dose usada geralmente em estudos. Inclusive quando a creatina foi utilizada por 35 dias por um paciente com rim único, ou seja, somente um rim, inclusive em doses mais elevadas nos primeiros cinco dias (20g/dia), seguido por mais trinta dias em dose de 5g/dia, o mesmo não apresentou nenhuma alteração na filtração glomerular, nem na perda de proteína renal (albuminúria), nem na função renal, mesmo consumo elevado de proteína na dieta, ou seja, 2,8g de proteína por quilo diário (Gualano et. Al, 2011).

Em outro estudo realizado em indivíduos sadios praticantes de atividade física em dieta normoproteica (1,2g de proteína por kg diários), o uso de 5g diários de creatina por três meses (nos primeiros cinco dias foram consumidos 20g/dia de creatina) não causou alteração na função renal, nem na sua taxa de filtração, ou seja, não prejudicava a função renal. Isso demonstra segurança no seu uso em indivíduos saudáveis e treinados. Ainda em indivíduos não diabéticos, o uso de creatina promoveu aumento de força e de ganho de massa muscular de 1 kg a 2,5 kg após 12 semanas de uso, em comparação ao placebo. Como numerosos estudos mostram sua eficácia e segurança em indivíduos não diabéticos, estudos sobre indivíduos diabéticos são necessários sobre sua segurança e benefícios nestes indivíduos.

Um estudo realizado para avaliar os mecanismos pelos quais a creatina leva a maior translocação de GLUT-4, desencadeando maior captação de glicose, durante doze semanas um grupo de diabéticos tipo 2 fizeram atividade física regularmente e consumiram 5g/dia de creatina. Na análise dos resultados, notou-se uma maior expressão de AMP-K, de translocação de GLUT-4 e de diminuição da hemoglobina glicosilada nos grupos que usaram creatina ao invés de placebo, ou seja, mostrou-se uma correlação positiva entre o uso de creatina e aumento da translocação de GLUT-4. A translocação deste receptor é iniciada pela ligação de insulina ao seu receptor IR, resultando ainda em uma fosfoliação dos substratos dos receptores de insulina (IRS). Estes IRS associam-se à fosfatidilinositol 3-quinase (PI3-quinase), o qual medeia o transporte da glicose via proteína quinase C ou AKT (Alessi et al ,1997).

Em estudos posteriores, Saffar e colaboradores relataram aumento proteico e de expressão de RNA mensageiro de MAP quinase em indivíduos suplementados com creatina, além do aumento da expressão do RNA mensageiro de AKT-1, demonstrando a relação destes aumentos com a translocação de GLUT-4 nos indivíduos que fizeram uso de creatina. A figura 1 sumariza os principais mecanismos de ação da creatina na homeostase da glicose.

O pesquisador brasileiro Bruno Gualano e colaboradores investigaram se a suplementação com creatina desempenharia um efeito benéfico sobre o controle glicêmico do diabetes tipo 2 em pacientes submetidos a exercícios físicos. Eles conduziram um estudo randomizado, duplo-cego, com duração de 12 semanas, em que os pacientes eram alocados para receber 5g diárias de creatina ou placebo, ambos os grupos incluídos em um mesmo programa de atividades físicas. A HbA1c reduziu significativamente no grupo creatina comparado ao grupo placebo. A área sobre a curva da concentração de glicose foi significativamente inferior no grupo da creatina do que no placebo. O grupo que foi suplementado com a creatina também apresentou redução na curva de glicemia pós prandial e teve aumento na translocação do GLUT-4. (Figura 2 e figura 3)

Neste contexto, os autores apresentaram um novo papel terapêutico da suplementação com a creatina no controle metabólico dos pacientes com diabetes tipo 2 em prática de atividade física. Além disso, eles demonstraram evidências convincentes de que esta suplementação pode modular a absorção de glicose nestes indivíduos, principalmente por um aumento do recrutamento do GLUT-4 para o sarcolema e o benefício deste suplemento pode ser coadjuvante a pratica de atividade física no aumento de translocação de GLUT-4 e absorção aumentada de glicose (e sensibilidade a insulina).

Gualano ainda avaliou e constatou que a suplementação com creatina não prejudicava a função renal em pacientes com DM2 também em prática de atividades físicas regulares. Eles foram avaliados na linha de base e após a intervenção. Não foram observadas diferenças significativas nas taxas de filtração glomerular, albuminúria, função renal e eletrólitos.

Apesar dos estudos com suplementação de creatina e diabéticos tipo 2 terem algumas limitações, como terem sido realizados em indivíduos praticantes de atividade física, curto prazo de tempo e amostra pequena de indivíduos, e  pela vasta literatura mostrando segurança deste suplemento, seus benefícios na performance muscular, em patologias, em idosos e em homeostase glicêmica com o aumento de translocação do GLUT-4 (independentemente da ação da insulina, ou seja, agindo como coadjuvante desta) sugerem que a creatina pode ser usada desde que em acompanhamento médico ou de nutricionista especializado em diabetes.

Dr. Paulo Cavalcante Muzy

Médico

CREMESP 115-573Médico pela Escola Paulista de Medicina –Unifesp/2004. Especialista em Ortopedia eTraumatologia Unifesp/2009. Diretor MédicoIFBB Brasil, desde 2011, docente dos Cursos deAdvanced Nutrition e Weight Loss da IFBB AcademyWorld, desde 2011, docente dos Cursosde Medicina Esportiva e Nutrologia Esportivada Fisicursos/HZM, desde 2012 e docente doscursos de Medicina Esportiva BWS, desde 2016

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