A creatina é um dos suplementos naturais mais populares e
amplamente pesquisados. A maioria dos estudos tem focado nos efeitos da
creatina monohidratada no desempenho e na saúde; no entanto, muitas outras
formas da creatina existentes estão comercialmente disponíveis no mercado de
nutrição e de suplementos esportivos. Independentemente da forma, a suplementação
com creatina tem demonstrado regularmente aumento de força, massa livre de
gordura e morfologia muscular com treinamento simultâneo de resistência.
A creatina pode ser benéfica em outras modalidades de exercício além de força, como sprints de alta intensidade ou treinamento de resistência. No entanto, parece que os efeitos da creatina diminuem à medida que a duração do exercício aumenta. Mesmo que nem todos os indivíduos respondam de maneira semelhante à suplementação de creatina, é geralmente aceito que sua suplementação aumente o armazenamento de creatina e promova uma regeneração mais rápida do trifosfato de adenosina entre exercícios de alta intensidade.
Esta suplementação melhorou os resultados e aumentou o desempenho, além de ter
promovido maior adaptação de treinamento. Pesquisas mais recentes sugerem que a
suplementação de creatina em quantidades de 0,1g/kg de peso corporal combinada
com treinamento de resistência promova adaptações favoráveis em treinamento. Embora
atualmente o uso da creatina como suplemento oral seja considerado seguro e
ético, a percepção de segurança não pode ser garantida, especialmente o uso por
longo período de tempo em diferentes populações (atletas, sedentários,
pacientes, ativos, diabéticos, veganos, vegetarianos, jovens ou idosos). Tentaremos
neste texto focar sua vantagem em pacientes diabéticos.
A creatina é produzida endogenamente em uma quantidade de cerca
de 1 g/d. A síntese ocorre predominantemente no fígado, rins e, em menor grau,
no pâncreas. O restante da creatina disponível para o corpo é obtida através da
dieta, ou seja, cerca de 1g/d, para uma dieta onívora. O organismo consumindo
1g da dieta e produzindo endogenamente mais 1g, se iguala a taxa de degradação,
em torno de 2g (creatina e fosfocreatina sofrem degradação espontânea em
creatinina).
A média de creatina em um indivíduo jovem do sexo masculino
pesando em torno de 70kg é cerca de 120-140g, que pode variar dependendo do
tipo de fibra muscular esquelética e quantidade de massa muscular. Cerca de 95%
das reservas de creatina do corpo são encontradas no músculo esquelético e os 5%
restantes são distribuídos no cérebro, fígado, rim e testículos; esta é
armazenada como fosfocreatina, um fosfato de alta energia envolvido na ressíntese
rápida da adenosina trifostato durante a contração muscular.
O pool corporal total corresponde a, em média, 120g para um
indivíduo de 70kg. Os estoques de creatina podem ser reabastecidos por meio de
dieta ou síntese endógena de creatina. Como a creatina é presente predominantemente
na dieta com consumo de carnes, frutos do mar e peixes, os vegetarianos, que
inclusive não comem peixes, que seriam fonte alimentar de creatina, apresentam menores
concentrações de creatina em repouso.
A creatina é usada e pesquisada em ambiente clínico para investigar
várias patologias ou distúrbios, tais como miopatias, doenças (esclerose
lateral amiotrófica, Coréia de Huntington), e também é usado como auxílio
ergogênico para melhorar a saúde e o desempenho esportivo em atletas.
Quando ingerida, o uso crônico da CM melhorou o desempenho
do exercício e aumentou a massa livre de gordura. Existe grande quantidade de
pesquisas publicadas sobre a suplementação de creatina, como protocolos de
administração, formas de creatina, bem como seus potenciais efeitos colaterais.
Apesar disso, os mecanismos pelos quais a creatina age no corpo humano para
melhorar o desempenho físico e cognitivo ainda não estão muito claros.
Em indivíduos vegetarianos e veganos, como não fazem consumo
de proteína de origem animal, ocorre uma deficiência em seus estoques no
organismo. A suplementação dietética de creatina é um meio barato e eficiente
de aumentar a sua disponibilidade.
A dosagem de creatina sugerida inicialmente para a obtenção
de saturação de creatina muscular era um carregamento de 20g diários por 3 a 7
dias, seguido da manutenção de 3 -5g
diários. No entanto, hoje em dia o carregamento não é mais utilizado,
pois foi demonstrado e publicado no JISSN que doses menores que 3g a 5g
diários, durante um período de quatro semanas, atingem a saturação de creatina
da mesma forma, a longo prazo (Cooper et al, 2012).
A creatina
funciona como um sistema de ressíntese de ATP em curto prazo, tendo o potencial
de aumentar a concentração de ATP na miofibrila, ao mesmo tempo que eleva o
nível de ADP dentro da mitocôndria (balanceamento da relação entre ATP e ADP
intracelular).
Músculos e tecidos ósseos necessitam de altos níveis de
energia para iniciar movimentos rápidos e que necessitam de rápida recuperação,
onde o uso desta via desempenha um importante papel e também tem benefício em
melhorar o desempenho mental. Foi demonstrado que a suplementação de creatina
em idosos aprimora a qualidade de vida, aumentando a força muscular e
resistência à fadiga, além de melhorar o desempenho em atividades diárias e
prevenindo perda de massa óssea.
A creatina também não apresenta efeitos deletérios aos rins
se usada na dose de 3 a 5g diárias, dose usada geralmente em estudos. Inclusive
quando a creatina foi utilizada por 35 dias por um paciente com rim único, ou
seja, somente um rim, inclusive em doses mais elevadas nos primeiros cinco dias
(20g/dia), seguido por mais trinta dias em dose de 5g/dia, o mesmo não
apresentou nenhuma alteração na filtração glomerular, nem na perda de proteína
renal (albuminúria), nem na função renal, mesmo consumo elevado de proteína na
dieta, ou seja, 2,8g de proteína por quilo diário (Gualano et. Al, 2011).
Em outro estudo realizado em indivíduos sadios praticantes
de atividade física em dieta normoproteica (1,2g de proteína por kg diários), o
uso de 5g diários de creatina por três meses (nos primeiros cinco dias foram
consumidos 20g/dia de creatina) não causou alteração na função renal, nem na
sua taxa de filtração, ou seja, não prejudicava a função renal. Isso demonstra
segurança no seu uso em indivíduos saudáveis e treinados. Ainda em indivíduos
não diabéticos, o uso de creatina promoveu aumento de força e de ganho de massa
muscular de 1 kg a 2,5 kg após 12 semanas de uso, em comparação ao placebo. Como
numerosos estudos mostram sua eficácia e segurança em indivíduos não diabéticos,
estudos sobre indivíduos diabéticos são necessários sobre sua segurança e
benefícios nestes indivíduos.
Um estudo realizado para avaliar os mecanismos pelos quais a
creatina leva a maior translocação de GLUT-4, desencadeando maior captação de
glicose, durante doze semanas um grupo de diabéticos tipo 2 fizeram atividade
física regularmente e consumiram 5g/dia de creatina. Na análise dos resultados,
notou-se uma maior expressão de AMP-K, de translocação de GLUT-4 e de
diminuição da hemoglobina glicosilada nos grupos que usaram creatina ao invés
de placebo, ou seja, mostrou-se uma correlação positiva entre o uso de creatina
e aumento da translocação de GLUT-4. A translocação deste receptor é iniciada
pela ligação de insulina ao seu receptor IR, resultando ainda em uma fosfoliação
dos substratos dos receptores de insulina (IRS). Estes IRS associam-se à
fosfatidilinositol 3-quinase (PI3-quinase), o qual medeia o transporte da
glicose via proteína quinase C ou AKT (Alessi et al ,1997).
Em estudos posteriores, Saffar e colaboradores relataram
aumento proteico e de expressão de RNA mensageiro de MAP quinase em indivíduos
suplementados com creatina, além do aumento da expressão do RNA mensageiro de
AKT-1, demonstrando a relação destes aumentos com a translocação de GLUT-4 nos
indivíduos que fizeram uso de creatina. A figura 1 sumariza os principais
mecanismos de ação da creatina na homeostase da glicose.
O pesquisador brasileiro Bruno Gualano e colaboradores
investigaram se a suplementação com creatina desempenharia um efeito benéfico
sobre o controle glicêmico do diabetes tipo 2 em pacientes submetidos a exercícios
físicos. Eles conduziram um estudo randomizado, duplo-cego, com duração de 12
semanas, em que os pacientes eram alocados para receber 5g diárias de creatina
ou placebo, ambos os grupos incluídos em um mesmo programa de atividades
físicas. A HbA1c reduziu significativamente no grupo creatina comparado ao
grupo placebo. A área sobre a curva da concentração de glicose foi
significativamente inferior no grupo da creatina do que no placebo. O grupo que
foi suplementado com a creatina também apresentou redução na curva de glicemia
pós prandial e teve aumento na translocação do GLUT-4. (Figura 2 e figura 3)
Neste contexto, os autores apresentaram um novo papel
terapêutico da suplementação com a creatina no controle metabólico dos
pacientes com diabetes tipo 2 em prática de atividade física. Além disso, eles
demonstraram evidências convincentes de que esta suplementação pode modular a
absorção de glicose nestes indivíduos, principalmente por um aumento do
recrutamento do GLUT-4 para o sarcolema e o benefício deste suplemento pode ser
coadjuvante a pratica de atividade física no aumento de translocação de GLUT-4
e absorção aumentada de glicose (e sensibilidade a insulina).
Gualano ainda avaliou e constatou que a suplementação com
creatina não prejudicava a função renal em pacientes com DM2 também em prática
de atividades físicas regulares. Eles foram avaliados na linha de base e após a
intervenção. Não foram observadas diferenças significativas nas taxas de
filtração glomerular, albuminúria, função renal e eletrólitos.
Apesar dos estudos com suplementação de creatina e diabéticos tipo 2 terem algumas limitações, como terem sido realizados em indivíduos praticantes de atividade física, curto prazo de tempo e amostra pequena de indivíduos, e pela vasta literatura mostrando segurança deste suplemento, seus benefícios na performance muscular, em patologias, em idosos e em homeostase glicêmica com o aumento de translocação do GLUT-4 (independentemente da ação da insulina, ou seja, agindo como coadjuvante desta) sugerem que a creatina pode ser usada desde que em acompanhamento médico ou de nutricionista especializado em diabetes.
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