Dra. Danielle Fava
Nutricionista
CRN3 26112
A influência da era digital no dia a dia de nossas crianças trouxe, recentemente uma discussão: até onde esse aspecto pode causar modificação comportamental em nossos filhos?
Não é raro encontrar canais de vídeos na internet, onde adultos (e às vezes crianças), realizam diversas experiências, inclusive alimentares, que podem exercer uma ação psicológica nas crianças, uma vez que essas querem reproduzir os conteúdos apresentados nos vídeos.
Quando falamos de alimentação, salientamos que os comportamentos alimentares são formados e consolidados principalmente na infância, fase na qual a criança adquire diversas competências em relação ao aprendizado, desenvolvimento e maturação em sua totalidade psicobiofísica, social e afetiva, que levarão à construção da sua identidade.
As relações iniciais com os alimentos influenciam na formação de hábitos alimentares saudáveis e permite que a criança se torne autônoma, em relação a sua própria alimentação, mantendo uma atitude positiva em relação à mesma sob a perspectiva biopsicossocial.
Quando a criança desenvolve suas competências alimentares de forma positiva, ela entende que a comida é algo funcional, seguro, saboroso, percebe quando a quantidade é suficiente (tem consciência de seus pontos de fome e saciedade), mantém satisfação em relação aos alimentos e sabe lidar com as novidades em relação à comida.
O desenvolvimento dessas habilidades pode ser algo decisivo quando correlacionamos esses aprendizados com o desenvolvimento de obesidade/sobrepeso futuros e de transtorno alimentares.
Os transtornos alimentares são problemas muito mais frequentes na adolescência, apresentando incidência de cerca de 1% na população infanto-juvenil e estão relacionados a fatores biológicos, psicológicos e ambientais. Dentre os transtornos alimentares, temos a compulsão alimentar, caracterizada pela ingestão excessiva de alimentos em intervalos de tempo muito pequenos, com sensação de perda de controle e culpa.
Muitas vezes, os critérios diagnósticos para avaliar a compulsão alimentar em crianças e adolescentes podem não estar completos, por exemplo: uma criança pode fazer a alta ingestão alimentar e não sentir culpa ou o episódio compulsivo pode ocorrer sem a sensação de perda de controle, logo isso é um desafio para a percepção dos pais, principalmente com a questão da influência digital.
O que acontece é que vários vídeos que circulam livremente na rede mostram os influencers digitais ingerindo quantidades enormes de doces, guloseimas e outros alimentos de grande densidade energética e lipídica, sem nenhum filtro. Por exemplo, além de comer muito, a pessoa que está produzindo o vídeo coloca vários doces ao mesmo tempo na boca. Esse tipo de comportamento pode influenciar nossas crianças a reproduzi-lo, porém elas podem não sentir culpa por entender que como há um adulto em um vídeo fazendo isso, é algo normal.
Esse tipo de exposição é um exemplo de causa ambiental que pode causar compulsão alimentar. Outros problemas que podem estar associados são as restrições alimentares, como o caso de crianças em que os pais não deixam comer determinados alimentos, mas quando está sozinha ou na casa de amigos ela come descompassadamente o alimento proibido. Outros pontos que podem levar a compulsão são: baixa estima, preocupação com o peso, com o corpo e com a comida.
Impedir ou restringir o acesso tanto à comida quanto aos vídeos parece não ser uma estratégia muito efetiva, uma vez que esse comportamento se repetirá escondido dos pais e a proibição dos alimentos desencadeará mais desejo por eles.
Abordagens baseadas em controle estão associadas a maior desinibição do controle posteriormente e é por isso que a compulsividade não se resolve dessa maneira. Isso é o que chamamos de desinibição do controle cognitivo, ou seja, a tendência de alguém que foi reprimido liberar o comportamento mediante a um determinado estímulo (que poderá ser emocional, por exemplo).
Dessa forma, o que os pais podem fazer para contribuir é primeiro sempre ser honesto com seus filhos e sempre estar atento a qualquer modificação no padrão alimentar e comportamental de seu filho com algum tipo de alimento. As orientações familiares precisam ser neutras, todavia entender e entrar no mundo deles faz com que elas sejam mais aceitas pelas crianças e adolescentes.
Exemplificando: se seu filho assiste um canal desse tipo e aumentou a procura por doce, explique a ele, tranquilamente, quais são os objetivos desses canais com esse tipo de vídeo e que ele pode provar esses alimentos algumas vezes se desejar. Uma estratégia para entrar no mundo deles é fazer uma experiência sensorial semelhante, porém com vários alimentos e não apenas doces, onde vocês possam experimentar juntos e irem contando a sensação de como é o sabor, cor, textura e cheiro, em contrapartida trabalhar a mastigação devagar e consciente. Assim a criança entenderá que há uma variedade de alimentos, que não há supervalorização de guloseimas em detrimento de outros alimentos e ensiná-la trabalhar a moderação.
Fazer perguntas para seu filho nesse momento pode ajudá-lo: qual é o cheiro desse alimento? Ele é macio ou crocante? Como é o gosto? Procure também não dar respostas prontas para a criança, deixa a livre para falar, mesmo que seja algo que não tenha nada a ver com o a experiência. Coloque também a sua opinião sem julgamentos em relação à opinião da criança. Apenas exponha a sua. Não hesite em procurar um profissional se precisar de ajuda.
“Que todas as atividades relacionadas ao comer ou à comida sejam prazerosas!” (Guia Alimentar Japonês).
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