1 – O QUE É, SINTOMAS E DIAGNÓSTICO
Especialistas afirmam que a porcentagem de brasileiros que sofrem com a DRGE varia, no entanto, a maioria aponta entre 20% e 30%. É normal que, ao longo do dia, parte do conteúdo gástrico do estômago siga caminho contrário ao fluxo da digestão, subindo em direção ao esôfago. Isso ocorre em todas as pessoas, sem sinais de lesão, pois o processo é fisiológico. No entanto, quando se tornam frequentes e intensos, a ponto de provocar sintomas e comprometer a qualidade de vida, temos a Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) que produz sinais decorrentes de lesão tecidual no esôfago, orofaringe, laringe e trato respiratório.
Quem sofre com azia, ardor no peito, regurgitação, problemas de deglutição e com sintomas extra-esofágicos, como tosse, pigarro, rouquidão, crises de asma, sinusites frequentes e destruição do esmalte dos dentes, sabe o quanto a doença pode atrapalhar o dia a dia. “A ingestão exagerada de alimentos que facilitam o refluxo e o ganho rápido de peso podem gerar quadros intensos, que podemos considerar crises”, diz Valbert Alves Batista, gastroenterologista do Hospital São Domingos.
O gastro Valbert Batista explica, que o diagnóstico é clínico e as queixas mais comuns são: sensação de queimação que ascende da região do estômago em direção ao meio do peito (pirose) e/ou sensação de amargor na boca após a subida de líquido/alimentos do estômago (regurgitação). “Se os sintomas não forem os mencionados, mas seu médico suspeitar do diagnóstico, pode ser necessário um exame chamado Phmetria para confirmar. A endoscopia também pode diagnosticar possíveis causas do refluxo, como a hérnia de hiato e complicações da doença, como a esofagite”, diz Dr. Valbert.
Ainda sobre o diagnóstico, o otorrinolaringologista do Hospital São Domingos, André Lacerda Cavalcante, completa que é comum a realização de: manometria esofágica computadorizada, cintilografia esofágica e impedanciometria esofágica. “Nos casos com sintomas otorrinolaringológicos, a laringoscopia rígida ou flexível é uma ferramenta importante”, enfatiza Dr. André.
2 - QUAIS SÃO AS CAUSAS E OS TIPOS MAIS COMUNS?
Quanto às causas, o gastro Valbert Alves Batista diz que, na maioria das vezes, o refluxo está relacionado ao consumo de alimentos que desarmam a barreira que impede a subida do conteúdo do estômago em direção ao esôfago, chamada de esfíncter esofágico inferior. Entre estes alimentos estão: café, chás, álcool, bebidas com gás e chocolate. A nicotina também produz refluxo e outra causa é a obesidade, que aumenta a pressão dentro do abdômen. Menos comumente, pode haver uma hérnia de hiato e, em casos mais raros, tumores. “O tórax é separado do abdômen pelo diafragma, o esôfago fica quase que completamente dentro do tórax, enquanto o estômago deve ficar dentro do abdômen. Quando parte do estômago é puxada em direção ao tórax, através do diafragma, temos a hérnia de hiato, que está entre uma das causas do refluxo”, enfatiza Dr. Valbert.
De acordo com o otorrinolaringologista Jamal Sobhi Azzam, os tipos mais comuns são: refluxo ácido e alcalino. “O refluxo ácido é o retorno do ácido do estômago para o esôfago; já o alcalino é quando o conteúdo do duodeno volta para o esôfago”. Dr. Jamal explica que pessoas de todas as idades podem apresentar a Doença do Refluxo Gastroesofágico, desde bebês até idosos e isso depende de questões anatômicas locais e de produção de ácido.
3 - REFLUXO LARINGOFARÍNGEO (RLF)
De acordo com o otorrino André Lacerda Cavalcante, existem situações em que o paciente portador da DRGE, com manifestações altas, como tosse, rouquidão e pigarro, não apresenta sintomas típicos da doença (pirose e regurgitação), o que faz com que procure outros especialistas.
As queixas que levam os pacientes a procurar o otorrinolaringologista, raramente lembram a doença, pois em até 70% dos casos não há sintomas digestivos. Alguns estudos mostraram que a DRGE, apesar de ser causada pelo mesmo mecanismo, tem duas manifestações distintas: a clássica, que cursa com esofagite e é denominada DRGE; e a atípica, que pode cursar apenas com sintomas altos, o refluxo laringofaríngeo (RLF).
De acordo com o Dr. André Lacerda Cavalcante, o esôfago possui mecanismos de proteção mecânicos (epitélio de cobertura e muco) e químicos (bicarbonato de sódio e prostaglandinas), além da saliva que funciona como diluente e neutralizadora do ácido. A mucosa respiratória, além de ser um tecido menos habituado às agressões, não possui barreira muco protetora, nem ação protetora da saliva, como a mucosa digestiva. Logo, se pequenas quantidades de refluxo, tidas como fisiológicas para o esôfago distal, chegarem até a laringe ou faringe, causarão alterações locais. Isso explica como um número tão grande de pacientes com sintomas e sinais sugestivos da DRGE na laringe e na faringe tem endoscopias e Phmetrias esofágicas sem alterações significativas.
“Além do exame otorrinolaringológico completo, o ideal é que o paciente seja submetido a um exame com fibra óptica para analisar a rinofaringe e a laringe em detalhes. Nos pacientes com queixas típicas, nos casos refratários ao tratamento clínico ou para afastar lesões graves no esôfago, solicitamos exames que avaliem o trato digestivo. O tratamento do refluxo laringofaríngeo é semelhante ao da DRGE: medidas comportamentais e tratamento farmacológico, num período de 12 a 16 semanas”, reforça o especialista.
4 - TRATAMENTO
Dr. Valbert esclarece que, se o refluxo do paciente estiver relacionado a um hábito específico, como consumo excessivo de café, por exemplo, a mudança associada a medicações no início do quadro, pode curar o refluxo. “O que ocorre é que, geralmente, o refluxo tem causas multifatoriais, sendo assim, necessária disciplina para conciliar dieta adequada, manutenção do peso, bem-estar mental e medicações, para controlar os sintomas. O tratamento habitual é feito com medicações que inibem a acidez do estômago por um período mínimo de 4 a 8 semanas, associadas a adequações dos hábitos de vida”, afirma o especialista.
O médico explica, que é essencial manter-se com peso adequado, através de atividade física regular, afinal uma das causas do refluxo é o sobrepeso/obesidade. Considerando que o estômago é uma espécie de ‘saco’ que armazena tanto os alimentos, quanto o ácido responsável pela digestão, se a gordura em excesso pressionar o reservatório, ele diminuirá a capacidade de armazenamento, empurrando o conteúdo para cima, causando o refluxo. Mas, sobre isso, Dr. Valbert alerta: “Assim que iniciadas as atividades físicas de maior esforço, como corrida e musculação, pode haver piora temporária do refluxo, já que será feito esforço no abdômen. Mas, à medida que se muda a dieta, perde-se peso e reforça-se a musculatura do tronco, cessarão os sintomas e só sobrarão os benefícios da atividade física”, alerta.
Outra dica importante para quem sofre com a DRGE, é nunca se deitar logo após a refeição. O ideal é se alimentar duas ou três horas antes de dormir. “Quando deitamos, pela ação gravitacional, naturalmente já diminuímos a força da válvula (que tem por função manter o suco gástrico dentro do estômago) estando mais propensos a ter o quadro de refluxo. Para quem possui a disfunção, comer e deitar é sinônimo de refluxo. Caso isso aconteça, pode-se colocar um ‘calço’ sob a cama, deixando-a num plano levemente diagonal; não usar roupas apertadas e que a última refeição seja sólida, pois o líquido é mais propenso a extravasar da bolsa estomacal”, ressalta o nutricionista Omar de Faria Neto.
5 – ALIMENTAÇÃO
A nutricionista Andrea Marim menciona os principais alimentos/bebidas considerados prejudiciais para quem tem refluxo e vale lembrar que as refeições devem ser fracionadas ao longo do dia.
Segundo ela, o tratamento pode ser feito com medicamentos, dietas, mudanças na alimentação e estilo de vida, além de cirurgia, e deve-se aumentar a ingestão de fibras e acrescentar bactérias saudáveis com alimentos ricos em probióticos, promovendo saúde gastrointestinal.
“Deve-se ingerir frutas, verduras, legumes, leite e derivados, carnes magras, cereais integrais, tubérculos e, por outro lado, deve-se evitar gorduras como frituras, carnes vermelhas, salsicha, linguiça e bacon, pois o excesso de gordura faz com que a comida fique mais tempo no estômago, aumentando a chance de refluxo; evitar cafeína, como café, chás e chocolate, pois estimulam o estômago; bebidas alcoólicas, pois irritam o estômago; bebidas gaseificadas como refrigerantes e água com gás, pois aumentam a pressão dentro do estômago; pimenta, pois irrita o estômago e aumenta a acidez; carboidratos simples, como farinha, macarrão e pão, pois diminuem a força do esfíncter que fecha a passagem entre o estômago e o esôfago”, orienta a nutricionista.
6 - COMPLICAÇÕES
Dr. Eduardo Grecco deixa claro que, se a DRGE demorar para ser tratada pode evoluir para patologias mais severas como Esôfago de Barrett e, a longo prazo, câncer de esôfago. Segundo ele, Esôfago de Barrett é a alteração do tipo do epitélio do esôfago, em virtude de esofagite de repetição e exposição ao ácido, sem tratamento. “O Barrett não tratado pode levar ao adenocarcinoma esofágico, um tipo de câncer de esôfago, portanto, a detecção precoce e o tratamento são fundamentais”, alerta o médico.
Por fim, Dr. Grecco orienta que se você for diagnosticado com esôfago de Barrett, deve perguntar ao seu médico sobre as opções de tratamentos disponíveis, que variam de acordo com a progressão do crescimento de células pré-cancerosas (displasia) no esôfago. Se você está nos estágios iniciais de Barrett e não tem fatores de risco significativos para a progressão, seu médico pode recomendar consultas periódicas para monitorar a doença. Nessas consultas, ele realizará uma endoscopia e coletará amostras (biópsias) do tecido afetado. “A ablação por radiofrequência (RFA) também é um tipo de tratamento que usa calor para remover tecido pré-canceroso do esôfago”, finaliza.
7 – ESÔFAGO DE BARRETT
Esôfago de Barrett é uma doença onde ocorre mudança nas células do revestimento da porção inferior do esôfago, com transformação do epitélio escamoso normal do esôfago para epitélio colunar (típico do estômago e do intestino). Chamada metaplasia intestinal, em geral resulta da exposição recorrente ao ácido estomacal e costuma ser diagnosticado em pessoas que sofrem com DRGE por muito tempo.
Os sintomas incluem azia frequente e dores no peito, mas muitas pessoas não apresentam sintomas. A presença de hérnia de hiato é um fator de risco para esôfago de Barret, pois favorece o refluxo gastroesofágico, com exposição prolongada do esôfago distal ao conteúdo ácido proveniente do estômago, causando esofagite e com o passar do tempo ocorre a transformação das células.
Em alguns casos pode ser indicada a realização de cirurgia para correção de hérnia de hiato, ou para fortalecer o esfíncter inferior do esôfago que fica na transição com o estômago, com o objetivo de reduzir o refluxo gastroesofágico.
FONTES CONSULTADAS:
Andréa Marim: Nutricionista especializada em Nutrição Esportiva e Graduada em Nutrição. Possui formação em Fitoterápicos e suplementação para emagrecimento; Nutrição funcional; Probióticos e pré-bióticos; e Nutrição e estética.
André Lacerda Cavalcante: Médico otorrinolaringologista do Hospital São Domingos. Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Residência Médica em Otorrinolaringologia pelo Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo; Título de Especialista em Otorrinolaringologia pela ABORL-CCF (Assoc. Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial); Mestrado em Pesquisa em Cirurgia pela Fac. de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Eduardo Grecco: Graduado pela Fac. de Medicina do ABC com residência em Cirurgia do Aparelho Digestivo pela Sociedade Portuguesa de Beneficência. Pós-graduado em Endoscopia Gastrointestinal e Broncoesofagoscopia pela USP e título de Especialista pela Sociedade Brasileira de Endoscopia. É parte do corpo clínico do Hospital Estadual Mário Covas e gastrocirurgião e endoscopista da Clínica Nomina, além de membro do corpo docente da Faculdade de Medicina do ABC.
Jamal Sobhi Azzam: Médico pela Faculdade de Medicina da USP, especialista em Otorrinolaringologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e proprietário da clínica Jamal.
Omar de Faria Neto: Nutricionista pós-graduado em Nutrição Clínica e em Estética, pós-graduado em Nutrição Esportiva Funcional e Mestrando em Educação Física. Atua como palestrante, Diretor de Produção de Produtos e Desenvolvimento de Suplementos Muscle Fórmula e sócio proprietário da Clínica Omar de Faria.
Valbert Alves Batista: Médico gastroenterologista do Hospital São Domingos. Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA); Residência Médica em Gastroenterologia no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu e em Endoscopia Digestiva pelo Hospital Universitário da UFMA; Atuação em Endoscopia digestiva diagnóstica e terapêutica e Gastroenterologia com ênfase em Doenças inflamatórias intestinais.
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