- Tatiana Camargo Pereira Abrão - Médica Endocrinologista e Nutróloga Especialista em Endocrinologia e Metabologia
- Paulo Cavalcante Muzy - Médico especialista em Ortopedia e Traumatologia
Os transtornos alimentares são caracterizados por aspectos como medo excessivo de engordar, preocupação patológica com o peso e com o formato corporal, diminuição voluntária da ingesta alimentar com progressiva perda de peso, podendo chegar a caquexia (emagrecimento extremo), ou ainda a obesidade, pela ingestão maciça de grandes quantidades de alimentos. Essas ingestões excessivas ainda podem ser seguidas de vômitos provocados e do abuso de diuréticos e/ou laxantes (Melin & Araújo, 2002).
Essas são patologias que merecem atenção e cuidados, pois possuem prognóstico reservado, além de problemas na esfera emocional, social e até física, podendo inclusive levar a morte.
Os principais tipos de transtorno alimentar são a anorexia nervosa e a bulimia nervosa, sendo que os dois apresentam como característica uma preocupação intensa com o peso e o medo mórbido de engordar, além da distorção de morfologia corporal e auto avaliação corporal recorrente.
Os transtornos afetam predominantemente a população jovem e a incidência fica entre 0,5% e 4% para anorexia nervosa, 1% e 4% para bulimia nervosa em mulheres, e 2,5 % no transtorno de compulsão alimentar, sendo que a maioria são jovens. Estas porcentagens são questionáveis, pois apenas os casos mais graves chegam ao conhecimento médico. Além disso, distúrbios não especificados e quadros mais leves, isto é, formas de transtornos alimentares que não preenchem os critérios necessários para o diagnóstico de anorexia nervosa ou bulimia nervosa, mas cursam com insatisfação com o corpo, busca recorrente de dietas da moda e procedimentos cirúrgicos e estéticos, e ainda recursos extremos para perda de peso como vômitos, uso de laxantes, diuréticos, exercícios físicos excessivos e uso constante de medicamentos anorexígenos, são bem mais frequentes, ocorrendo com 5% a 15% de jovens do sexo feminino (Melin & Araújo, 2002).
Quando procuramos sobre o histórico da anorexia nervosa e da bulimia nervosa, notamos que estas não são doenças da atualidade, mesmo sendo consideradas síndromes das sociedades ocidentais modernas, pois há registros de casos similares aos transtornos alimentares de vários séculos atrás. A prevalência dessas doenças tem crescido de forma alarmante, então pesquisadores da área passaram a estudar associações entre os padrões de beleza estipulados pela cultura ocidental e o aumento do número de casos. O ideal de magreza idealizado nestas sociedades é entendido pela literatura como um dos principais fatores culturais que culminaram no aumento destes transtornos nos dias de hoje (Hercovici & Bay, 1997).
Houve sempre uma contradição entre a oferta de alimentos e as formas corporais femininas ideais, principalmente com influência da economia de cada período. Assim, em épocas nas quais os alimentos eram escassos, a imagem feminina mais curvilínea era sinal de status e poder, enquanto atualmente, onde os alimentos são oferecidos em variedade e abundância, a magreza representa beleza, sucesso e autodisciplina, sendo então estabelecida uma correlação entre os modelos de beleza e classe social, sendo os adotados na época os preferidos pelos mais abastados economicamente (Hercovici & Bay, 1997).
Então, observando a evolução dos padrões estéticos, notamos a partir da década de 60, a construção de uma imagem materializada nas manequins e modelos, uma magreza esquálida. Nos anos 80, a busca pela magreza já era evidente. E finalmente, desde o final do século passado está um movimento progressivo de culto ao corpo, sendo que a busca pelo corpo perfeito tem ocorrido de maneira obsessiva por muitas pessoas, transformando-se em um verdadeiro estilo de vida, principalmente em áreas mais urbanas. O preconceito contra a obesidade é muito evidente, e a magreza é ligada à imagem feminina de sucesso, perfeição, competência, autocontrole e atratividade sexual (Andrade & Bosi, 2003).
Na atualidade, a globalização e os veículos de comunicação em todas as suas formas de expressão estão influenciando a construção deste modelo. Artistas, formadores de opinião, personalidades e modelos com alta estatura, magros e/ou com musculatura definida sugerem o ideal corporal que as pessoas devem almejar para estarem dentro do padrão.
O preconceito contra a obesidade e o sobrepeso já se inicia na infância desde a pré-escola e na vida adulta, pessoas com sobrepeso em alguns casos tem mais dificuldade em conseguir emprego e bons salários do que aquelas que estão dentro do padrão estético valorizado (Puhl & Brownell, 2001).
A humanidade vem sendo pressionada a se encaixar no ideal corporal da cultura na qual está́ inserida. As mulheres acabam sendo mais vulneráveis aos padrões de beleza criados culturalmente, e são psicologicamente ora castigadas se não os seguirem, ou seja, sendo criticadas, julgadas ou estereotipadas, ora recompensadas se estiverem com o corpo ideal, sendo elogiadas, admiradas e ainda podendo ter recompensação financeira e popularidade.
A indústria da boa forma corporal é hoje um dos maiores alvos da mídia e da sociedade de consumo, aumentando o desejo de ter um corpo semelhante ao que ela insinua de forma repetitiva, além de maneiras de poder transformá-lo. O aumento no número de cirurgias e procedimentos estéticos comprova a insatisfação das pessoas com seu biotipo, sua imagem e seu corpo. E paralelo a isso, surgem muitos sites que ensinam as adolescentes como obter e manter um emagrecimento rápido e intenso, assim as mesmas que são propensas a desenvolver algum transtorno alimentar ensinando técnicas de purgação e ‘truques’ supostamente milagrosos para atingir um estado severo de emagrecimento. E com a dificuldade de atingir o peso desejado por meio de dietas balanceadas e atividade física, muitas adolescentes passam a procurar na internet esses tipos de site, desenvolvendo práticas inadequadas e perigosas de controle de peso.
Muitas pessoas, na sua maioria mulheres, não se consideram bonitas, ou satisfeitas com suas aparências, provavelmente pela frequente exposição da mídia de pessoas bem-sucedidas e com corpos perfeitos. O problema reside no fato de que em muitas pessoas, o corpo idealizado por elas é geneticamente e biologicamente impossível. Isso pode desencadear uma obsessão em busca disso, levando a manifestação dos transtornos alimentares e sofrimento psicológico (Andrade & Bosi, 2003). ]
Pesquisas realizadas em vários países confirmam a existência de uma relação entre os veículos de comunicação e os transtornos alimentares. Hercovici e Bay, estudando mulheres americanas e europeias, concluíram que 70% delas se sentiam com sobrepeso, embora fossem normais ou magras, isso há 22 anos atrás. Esse padrão exerce um efeito marcante nas mulheres; alunas universitárias saudáveis e sem transtornos alimentares foram questionadas quanto a imagens de pessoas magras e esbeltas, a imagens de pessoas com peso normal e a imagens de mulheres com sobrepeso, e consideraram como mais atraentes as magras. Outros estudos associaram o acesso à internet, TV e ao cinema como desencadeadores ou potencializadores no desenvolvimento de transtornos alimentares, e ao interesse em perda de peso.
Mulheres jovens sentem maior pressão para serem magras, seja por pressão da família, das amigas ou dos meios de comunicação, sendo que estes últimos acabam sendo mais expressivos quando elas sofrem pressão já do grupo social, namorado ou familiares. Já quanto aos meninos, o grupo social, ou seja, as amizades influenciam mais na insatisfação corporal deles do que a família (McCabe e Ricciardelli, 2006).
As adolescentes conseguem aderir mais a dietas se estimuladas pelas amigas, sendo que estas, conforme vão se tornando mais velhas, acabam se influenciando mais em relação ao comportamento alimentar com as amigas do que com a mãe. Toda essa influência em conjunto ou seja, pressão pela mídia, grupo social, pelo par e pela família, pode desencadear sintomas bulímicos. Uma pesquisa realizada em adolescentes e adultas jovens brasileiras mostrou que a sensação de estar acima do peso, e de sentir-se insatisfeita com o corpo tem mais influência no desencadeamento de transtornos alimentares do que o índice de massa corpórea, ou seja, do que o próprio peso em si (Nunes, Olinto, Barros e Camey (2001).
Assim, o medo de engordar que existe entre as adolescentes, favorece um ambiente propício para o desenvolvimento de transtornos alimentares, tanto os considerados já uma patologia pelo DSM 5, quanto sinais como a realização excessiva de atividade física, dietas restritivas ou jejuns prolongados, uso de medicamentos anorexígenos, diuréticos, laxantes e ainda a provocação de vômitos logo após se alimentarem, além da sensação de culpa após se alimentarem.
Os transtornos alimentares atingem diferentes classes sociais e várias culturas. Há décadas atrás, tínhamos que a grande maioria de indivíduos com transtornos alimentares eram meninas de cor branca, ocidentais e de classe socioeconômica alta, o que ainda ocorre, mas apresentando crescimento entre outras raças, inclusive no Japão, onde antes da globalização, esses transtornos praticamente inexistiam.
Muitos estudos mostravam que a maior incidência era em adolescentes caucasianas, porém, pesquisas atuais têm apontado insatisfação e distorção da imagem corporal em mulheres negras, latinas, índias e asiáticas na mesma proporção que em mulheres caucasianas, inclusive na realização de dietas restritivas e da moda e na realização de exercícios físicos no intuito de emagrecimento e manutenção do peso (O’Dea, 1994).
Morar em áreas urbanas aumenta a chance de desenvolver transtornos alimentares, pois acaba-se tendo maior acesso à mídia , maior exposição aos ideais de beleza, além de sedentarismo, mudanças de hábitos alimentares, acesso a redes de fast-food e consequente ganho de peso. Paralelamente a isso, também tem acesso a redes de academias, a clínicas de estética, salões de beleza e também a cobrança da sociedade em estar mais esbelto, arrumado e na moda.
O nível econômico também pode influenciar no desenvolvimento destes transtornos. Um estudo realizado em 2005 mostrou que jovens australianos de nível sócio-econômico médio tinham menos preocupação com o físico que os de nível sócio econômico alto, sendo estes últimos mais influenciados pela mídia ou pela família.
Um estudo brasileiro realizado por Fernandes em 2007, de base populacional com estudantes de seis a 18 anos de escolas públicas e particulares de Belo Horizonte, concluiu que a classe social é imperativa na construção da imagem corporal. Os alunos de classes socioeconômicas mais altas, de raça branca e de escolas particulares, desejavam ser mais magros; já os alunos de classe sócio econômica mais baixa, de raça negra, alunos cujos pais ou responsáveis tinham 2º grau incompleto e estudantes de escolas públicas, desejavam ter mais peso.
Nas próximas colunas, iremos abordar as patologias em si, assim como abordagem terapêutica e tratamento. Se você acredita estar com alguns sinais destes transtornos, procure um médico ou nutricionista para ser avaliado.
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