Carlos Eduardo Martins
Nutricionista com Especialização em Nutrição Esportiva, Mestrado em Ciências, Doutorando pela FM-USP, Nutricionista na Clínica Malka/SP.
Defensores do combate ao açúcar adotam uma abordagem extrema em demonizar esta substância. Muitos fazem analogias com cocaína, heroína e demonstram preocupação a altura de outras drogas como cigarro e álcool. Mas, antes de irmos à cozinha e nos livrarmos de todos os alimentos que contêm açúcar, vale a pena fazer uma pausa e refletir sobre um estudo do epidemiologista John P. A. Ioannidis no qual afirma que a maioria das descobertas são mal interpretadas. O mesmo afirma que a Ciência real é lenta e humilde, principalmente no campo biológico. Logo, somente o tempo dirá se o atual nível de alarmismo do açúcar é justificado, ou se, daqui a muitos anos, a comparação entre o açúcar e a cocaína é realmente ridícula.
As pesquisas sobre o açúcar podem estar certas, mas nossa história de preconceito mostra que existe uma tendência em atacar o açúcar devido ao furor moral. Claro que isso não significa que o consumo excessivo de açúcar seja seguro, nem que devemos aceitar o papel do açúcar na nossa dieta habitual. O excesso calórico geralmente ocorre devido a guloseimas açucaradas e as empresas que comercializam alimentos açucarados com muita rapidez. Então, como lidar com esse problema?
Dizer às pessoas ‘não comam açúcar’ não parece ter um efeito significante. Quando os americanos foram instruídos a temer ao consumo de gordura, a mesma diminuiu pouco, enquanto o consumo de carboidratos aumentou. Entre os anos 70 e 2000, as calorias diárias provenientes da gordura diminuíram apenas ~50 calorias, alguns adotaram a recomendação de limitar a gordura e a transformaram em uma proibição, assim como o glúten do pão, a frutose das frutas, a lactose dos laticínios.
Talvez o extremismo, não o açúcar, seja o inimigo real. Se você, assim como eu, acha que esse seja o caso, a melhor abordagem para melhorar a alimentação das pessoas não envolve a demonização do açúcar e sim a preocupação em tornar alimentos saudáveis mais acessíveis, porque nem todos têm fácil acesso ou dinheiro à alimentos de verdade (vegetais, carnes, grãos, frutas, sementes). O açúcar não leva a nenhuma das acusações dada. Com moderação, é um alimento inócuo e absolutamente agradável. Lembre-se do equilíbrio e que tudo em excesso pode fazer mal. Neste sentido, vamos olhar para cada uma das principais acusações a respeito do açúcar.
NEM TODO O AÇÚCAR É RUIM
Os variados tipos de açúcares são atribuídos a diferentes níveis de maldade, sendo o açúcar de mesa (a sacarose) o pior. Vale ressaltar que todos os carboidratos energéticos são ‘açúcares’ e que todos os carboidratos, sejam aveia, batata doce ou o próprio açúcar de mesa, serão hidrolisados (metabolizados) no trato digestivo em moléculas menores de açúcares como glicose, frutose ou galactose. A única diferença biológica é que alguns carboidratos são mais facilmente digeridos, enquanto outros que contém fibras resistem à digestão. Aproveitando a frutose citada acima, cabe aqui elucidar que ˜40% da frutose é convertida em glicose dentro de 3-6h e o restante é oxidado, convertido em lactato ou em glicogênio e armazenado, ou seja, menos de 1% é convertido em triglicérides plasmáticos ou gordura. “Mas e todos aqueles estudos sobre a frutose que citam causar dano ao fígado e ganho de gordura?” Bem, a maioria deles usam quantidades acima de 300g de frutose/dia, o que equivale a cerca de 45 bananas. Portanto, entenda que todos os carboidratos, no final, são praticamente iguais; seus produtos finais digestivos são os mesmos. O açúcar de mesa não é o mais malvado do que qualquer outro tipo de carboidrato; é apenas mais concentrado e de fácil digestão.
O AÇÚCAR NÃO É O ÚNICO RESPONSÁVEL PELO DIABETES
Não há uma correlação singular entre açúcar e diabetes. Até o American Diabetes Association (ADA) concorda. Certamente, há poucas evidências para provar que quantidades moderadas de açúcar causarão diabetes. Todavia, uma dieta rica em açúcares simples e carboidratos simples pode aumentar a resistência à insulina a longo prazo, ocasionando risco a desenvolver diabetes. Além disso, um estudo recente de 2019 mostra que uma única refeição com alto teor de caloria, carboidrato e gordura (fast food) pode ter um efeito inflamatório no intestino, permitindo que enzimas digestivas atravessem a barreira intestinal e caiam na corrente sanguínea e catabolizam os receptores de insulina, aumentando a resistência à insulina. Neste sentido, podemos pensar que uma frequência de refeições inadequadas hipercalóricas pode resultar em diabetes a longo prazo, e novamente, o culpado não seria o açúcar.
O AÇÚCAR NÃO É O ÚNICO QUE ALIMENTA O CÂNCER
Nos anos 20, descobriu-se que as células cancerígenas eram famintas por glicose. Isso levou a crença de que as pessoas com câncer deveriam evitar todos os carboidratos, até como forma de tratamento. É verdade que células cancerígenas se alimentam de açúcar, assim como todas as células do nosso corpo. Mas, reduzir o açúcar, só fará com que o corpo force outros recursos a produzir energia, que por sua vez continuará a alimentar o câncer, mas mesmo que impeça as células cancerígenas de obter açúcar, elas metabolizarão glutamina, assim como também ácidos graxos, ou seja, não é tão fácil derrotar o câncer. Vale destacar que há uma ligação forte entre câncer e obesidade; portanto, se você ingerir muitas calorias, criar resistência à insulina e eventualmente engordar, suas células adiposas causarão inflamação e essa inflamação pode de fato danificar o DNA e levar ao câncer. Além disso, as células cancerígenas parecem amar a insulina, pois muitos pacientes que desenvolvem câncer parecem ter níveis elevados de insulina antes do diagnóstico. Percebe-se que não é somente o açúcar?!
O AÇÚCAR NÃO É O MESMO QUE COCAÍNA
Quem defende essa comparação diz que o açúcar estimula o centro de recompensa do cérebro da mesma forma que o álcool, a heroína e a cocaína. Talvez, mas toda e qualquer experiência agradável como sexo, ouvir uma boa música, fazer compras estimula o mesmo centro de prazer no cérebro, sendo mediado pela substância dopamina. Portanto, o fato de querer muito um doce é um desejo e não vício.
SIM, O AÇÚCAR CAUSA ENVELHECIMENTO PRECOCE
Quando você queima a carne e ela fica escura, essa reação é chamada de Maillard, que é simplesmente a ligação entre açúcares e proteínas. Algo semelhante acontece no seu corpo quando mantém concentrações habitualmente elevadas de açúcar no sangue (>85mg/dL). A glicose se liga aos aminoácidos do colágeno e da elastina que sustentam a pele, o que chamamos de glicação proteica, mas não para por aí, essa reação aumenta o risco de desenvolver doença renal, deterioração das articulações, enrijecimento dos tecidos, catarata e aterosclerose.
Apenas não evite sacarose ou carboidratos em geral, porque alguns alarmistas da nutrição disseram que o açúcar é uma droga pesada e deve ser evitada a todo custo. Tenha moderação e lembre-se do equilíbrio.
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