- Tatiana Camargo Pereira Abrão - Médica Endocrinologista e Nutróloga Especialista em Endocrinologia e Metabologia
- Paulo Cavalcante Muzy - Médico especialista em Ortopedia e Traumatologia
O transtorno de compulsão alimentar (TCA), antigamente conhecido como transtorno de compulsão alimentar periódica (TCAP), foi incluído como transtorno alimentar com critérios diagnósticos oficiais no DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais-5), lançado e publicado em 2013.
O TCA é um distúrbio psiquiátrico caracterizado por episódios frequentes de ingestão compulsiva de alimentos em curto espaço de tempo. Ao contrário do que ocorre na bulimia nervosa, transtorno alimentar que foi detalhada na coluna da edição passada, o paciente com TCA não apresenta comportamento purgativo compensatório, ou seja, ele não induz vômitos, não toma laxantes e diuréticos, não toma medicamentos para emagrecer ou pratica exercícios físicos intensos excessivamente no intuito de perder peso após os episódios de alimentação compulsiva.
O transtorno de compulsão alimentar está ligado a várias consequências funcionais, incluindo problemas na vida social, prejuízo da qualidade de vida e problemas de saúde, aumentando a incidência e morbimortalidade de doenças, além de procura a serviços médicos, quando comparados a indivíduos sem TCA (pareados por índice de massa corporal).
Inclusive o transtorno pode estar associado a maior ganho de peso e desenvolvimento de obesidade.
Tanto a compulsão alimentar quanto a perda de controle da ingestão pode ocorrer em crianças e adolescentes e estão associadas a maior gordura corporal, ganho de peso, sintomas e transtornos psicológicos. O transtorno se inicia, em geral, na adolescência ou idade adulta jovem, mas pode se iniciar na idade adulta com transtorno de compulsão, sendo que muitas pessoas com TCA costumam ter mais idade quando buscam tratamento comparados àqueles com anorexia ou bulimia nervosa.
Sua prevalência parece ser um pouco maior em mulheres do que em homens (na bulimia e na anorexia é maior essa diferença), e não há diferença étnica e racial na sua prevalência, mas sim, visivelmente maior em pessoas que querem emagrecer. Ainda pode ter influência genética, visto ser de incidência aumentada em familiares de pessoas que tem TCA.
A prática de fazer dieta pode suceder o desenvolvimento da compulsão alimentar em muitos indivíduos com o transtorno, em contraste com a bulimia nervosa, na qual o hábito de fazer dieta geralmente antecede o início da compulsão alimentar.
A ingestão fora de controle ou a compulsão alimentar episódica pode, em algumas pessoas, vir antes dos transtornos alimentares (fase prodrômica).
Uma boa notícia é que as taxas de remissão do TCA quando tratado, são maiores do que para bulimia ou anorexia nervosas. Mas, nem por isso podemos deixar de levar em conta na sua persistência se não tratado, além do mesmo poder ser comparável a bulimia nervosa em termos de gravidade e duração dos sintomas.
A característica mandatória do TCA são episódios recorrentes de compulsão alimentar que devem ocorrer, em média, ao menos uma vez por semana durante três meses (Critério D). Um ‘episódio de compulsão alimentar’ é definido como a ingestão, em um período determinado, de uma quantidade de alimento definitivamente maior do que a maioria das pessoas consumiria em um mesmo período sob circunstâncias semelhantes (Critério A1). Sempre deve ser levado o contexto e a situação onde ocorreu essa ingestão (por exemplo, ceia de natal x almoço em um dia de semana), e também tentar estipular o período de tempo máximo de duas horas ou menos.
Ainda pode ser considerado um episódio de TCA quando a pessoa após se alimentar compulsivamente em um jantar, ao voltar para a casa segue comendo compulsivamente; porém, se a pessoa ao invés do exemplo anterior, faz vários lanches de pequenas quantidades ao longo do dia, não se pode considerar compulsão alimentar.
Uma ocorrência de consumo excessivo alimentar deve ser acompanhada por uma sensação de falta de controle de parar de comer, ou ainda incapacidade de evitar comer (Critério A2) para ser considerada um episódio de compulsão alimentar.
Porém, a falta de controle associado à compulsão alimentar pode não ser absoluta; como por exemplo em uma situação de constrangimento, onde a pessoa pode continuar comendo compulsivamente enquanto o telefone está tocando sem atendê-lo, ou ainda parar de comer ou até fingir que não estava comendo se algum amigo, parente ou o cônjuge entrar no local.
A compulsão alimentar também pode ser planejada ou ocasional, ambas podem ocorrer. O tipo de alimento consumido durante episódios de compulsão alimentar pode variar tanto entre diferentes pessoas quanto em um mesmo indivíduo. A compulsão alimentar difere da fissura por algum determinado alimento pela quantidade anormal consumida do mesmo (por exemplo, comer um pacote inteiro de bolacha recheada, ou um saquinho de meio quilo de amendoins).
Ainda é necessário que a compulsão alimentar seja caracterizada por sofrimento presente e marcante (Critério C), e pelo menos três dos aspectos seguintes: comer muito mais rápido do que o normal; comer até se sentir desconforto no estômago, se sentindo cheio; ingerir grandes quantidades de comida sem estar sentindo fome; comer sozinho por vergonha do quanto se come; e sentir-se angustiado, chateado consigo mesmo, deprimido ou muito culpado em seguida (Critério B).
Pessoas com transtorno de compulsão alimentar geralmente sentem vergonha de seus problemas alimentares e tentam esconder os sintomas e os episódios de compulsão, então estes ocorrem em segredo ou o mais discretamente possível. O afeto negativo é o gatilho mais comum da compulsão alimentar. Outros precedentes incluem relações pessoais e sociais estressantes, dietas restritivas, sentimentos negativos relacionados ao alimento em si, ao peso e à forma corporal, além do gatilho ser simplesmente tédio.
A compulsão alimentar pode minimizar ou aliviar fatores emocionais que desencadearam o episódio a curto prazo, porém a auto avaliação negativa e a associação a outros transtornos psicológicos são as consequências tardias.
O nível de gravidade da TCA baseia-se na frequência de episódios de compulsão alimentar. O nível de gravidade pode ser leve (1 a 3 episódios de compulsão alimentar por semana); moderada (4 a 7 episódios de compulsão alimentar por semana); grave (8 a 13 episódios de compulsão alimentar por semana) e extrema (14 ou mais episódios de compulsão alimentar por semana).
O transtorno de compulsão alimentar pode ocorrer em indivíduos com peso normal, sobrepeso ou obesos. Mas, é comum encontrar excesso de peso nos que procuram ajuda e tratamento. Importante ser falado que obesidade não é sinônimo de transtorno de compulsão alimentar, sendo patologias distintas, mas podem estar presentes na mesma pessoa.
A maioria dos obesos não apresenta episódios de compulsão alimentar recorrente. Além disso, alguns estudos mostram que quando comparamos indivíduos obesos de peso equivalente com e sem TCA, aqueles com o transtorno consomem mais calorias, tem pior qualidade de vida, mais problemas sociais, maior sofrimento emocional e ainda tem maior comorbidade psiquiátrica, ou seja, podem ter mais doenças psiquiátricas associadas ao TCA.
Os transtornos psiquiátricos mais comuns são bem equivalentes aos associados a outros transtornos alimentares, como a anorexia nervosa e a bulimia nervosa, sendo os mais comuns os transtornos bipolares, transtornos depressivos, transtornos de ansiedade, e transtornos por uso de substância, porém este em menor grau. Estas comorbidades psiquiátricas estão ligadas à gravidade da compulsão alimentar, e não ao grau de obesidade.
Assim como os outros transtornos alimentares, o tratamento deve ser feito por equipe multidisciplinar. A equipe deve incluir médico (o diagnóstico do transtorno é feito preferencialmente por um psiquiatra; deve ser muito avaliada a real necessidade de prescrição de tratamento medicamentoso da TCA; caso haja, o mesmo pode ser prescrito cuidadosamente pelo psiquiatra ou pelo endocrinologista), além de acompanhamento psicológico (a terapia é fundamental para esses pacientes) e avaliação com acompanhamento nutricional e nutrológico, de preferência com profissionais que tem especialização ou experiência com estes perfis de pacientes.
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