Com produção e comércio proibidos em território brasileiro, a Creatina é um dos suplementos mais estudados no mundo. Amplamente utilizada pela comunidade esportiva mundial, a substância participa ativamente do metabolismo cerebral e atua no aumento de massa, força, potência
Composto presente de forma natural na musculatura esquelética, no coração, nas células sanguíneas, nos testículos, no cérebro e na retina humana, a creatina é produzida e utilizada pelo organismo para fornecer a energia necessária aos músculos . Adquirida também através da ingestão de carne bovina e suína, ou em peixes como o atum, o arenque e o salmão, esse suplemento natural é considerado ergonômico, ou seja, tem a capacidade de aumentar a performance através da melhora na produção, eficiência e controle da energia, prevenindo ou retardando o início da fadiga muscular. “Atualmente, sabemos que a creatina é uma amina nitrogenada. Sintetizada em parte no fígado, pâncreas e rins, a partir dos aminoácidos glicina, arginina e metionina”, explica o médico especializado em Fisiologia do Exercício, Lucas Caseri Câmara. “Sua principal função é fornecer energia rápida para esforços curtos e intensos, através da formação da fosfocreatina e da ressíntese do trifosfato de adenosina (ATP)”.
Amplamente difundida entre os praticantes de atividades desde os anos 80, a creatina também pode ser obtida através da suplementação alimentar. De acordo com o médico fisiologista do exercício, inúmeros mitos foram criados em torno da suplementação de creatina . Porém, a literatura científica tem derrubado as falsas teorias e documentado os benefícios da utilização deste alimento para praticantes de atividades como um método muito seguro e altamente eficaz para melhora do desempenho. “Diversos estudos documentam que a utilização da creatina é um recurso para o aumento de massa, força, potência e resistência muscular, com diminuição da fadiga aos esforços curtos e intensos”, aponta Câmara. “A creatina também possui adequada segurança de utilização, sem efeitos nocivos à saúde, desde que respeitadas as orientações de uso”.
Efeitos Indesejados Não há evidências de efeitos colaterais considerados graves quando a suplementação de creatina é feita segundo o protocolo da Sociedade Internacional de Nutrição Esportiva (conheça essa indicação na tabela). No entanto, super-dosagens da substância podem trazer efeitos indesejados. “Náuseas, vômitos, diarréia, dores de cabeça e mal estar geral, são algumas das reações apontadas no consumo de altas doses de creatina em uma única vez. Vale citar que estudos realizados com populações doentes que têm deficiência da síntese de creatina, não apontaram efeitos colaterais em mais de oito anos de utilização”. Muito se comenta que a creatina poderia causar sobrecarga nos rins, taquicardia e aumento da pressão sangüínea. “Essa informação não é verdadeira. Diversos estudos já foram realizados sobre a função renal, hepática e do sistema cardiovascular, bem como inúmeros marcadores de saúde, e todos estes não apontaram qualquer efeito deletério”, ratifica Câmara.
Liberada no mundo Suplemento de uso permitido por órgãos que regulamentam as competições esportivas no mundo, entre elas a Federação Internacional de Futebol (FIFA) e o Comitê Olímpico Internacional (COI), a creatina é considerada um fenômeno mundial entre os desportistas, apontada pela Sociedade Internacional de Nutrição Esportiva (International Society of Sports Nutrition) como suplemento ergonômico mais utilizado entre a comunidade esportiva. “Para futebolistas, já foi descrito uma melhor explosão muscular, aumento da potência de chute, da habilidade para saltos e dribles, velocidade e capacidade de manter a performance em sprints repetitivos, além de efeitos antioxidantes, melhorando a recuperação muscular”, destaca Câmara. “A creatina também apresenta bom desempenho ao ser associada a esforços curtos e de alta intensidade, como por exemplo, em provas de velocidade no atletismo e natação, e também na musculação”.
Decisão Brasileira Liberada para ser produzida e comercializada na maioria dos países, a creatina encontrou barreiras em território brasileiro. Sem registro oficial na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os itens que contêm a substância estão na lista dos produtos que não podem ser comercializados. De acordo com o órgão, na legislação brasileira não existem alimentos classificados como suplementos alimentares. As normas nacionais os classificam como suplementos vitamínicos e ou de minerais e, ainda, alimentos para praticantes de atividade física. “Os alimentos enquadrados na categoria Alimentos para Praticantes de Atividade Física são regulamentados pela Portaria SVS/MS 222, de 24 de março de 1998. De acordo com o item 2.2 da referida portaria, esses alimentos podem ser classificados em cinco subcategorias de acordo com a finalidade de uso: repositores hidroeletrolíticos, repositores energéticos, alimentos protéicos, alimentos compensadores e aminoácidos de cadeia ramificada”, informou a Anvisa por meio de sua assessoria de imprensa. “A portaria proíbe que alimentos classificados na categoria de Alimentos para Praticantes de Atividade Física, apresentem expressões como “aumento da massa muscular ”, “anabolizantes”, “hipertrofia muscular”, “queima de gordura”, “aumento da capacidade sexual”, ou equivalentes na rotulagem do produto. O posicionamento oficial da Agência para a não liberação do registro da creatina, e conseqüentemente a não legalização da produção e comércio da substância é que, para a Vigilância Sanitária, não existe um consenso científico relacionado à segurança e eficácia do uso da creatina. O médico Dr. Lucas Caseri Câmara espera que os conceitos sejam revisados para que em breve, a creatina retorne ao mercado nacional. “A Anvisa é o nosso órgão máximo responsável pela autorização ou não da circulação de produtos relacionados à saúde, e as decisões tomadas por este órgão devem ser respeitadas”, ressalta. “No entanto, há extensa documentação científica no assunto, sobre benefícios com segurança da utilização deste suplemento , até mesmo da utilização prolongada e por pessoas doentes, o que contrapõe e questiona fortemente tal proibição”.
Estudos de peso Câmara enfatiza também que a creatina é o suplemento mais estudado até o momento e inúmeras são as publicações a respeito do tema. O médico ressaltou o artigo “Eff ects of Creatine Supplementation on Performance and Training Adaptations”, publicado em 2003 por Kreider RB e Cols, que traz infomações sobre os resultados obtidos na suplementação de creatina em atletas. Baseados em testes, os estudos apontam aumentos de 5 a 15% na capacidade de potência máxima, força e velocidade; entre 1 e 5% no trabalho realizado em contrações máximas; de 5 a 15% no desempenho de sprints repetitivos e aumento de 1 entre 2 kg de massa magra . “Esses autores revisaram mais de 300 estudos sobre o uso da creatina e afirmam que em 70% deles os efeitos foram positivos e promoveram melhora do desempenho esportivo”, pontua. “Muito embora as alterações possam parecer pequenas, os autores ressaltam que os indivíduos estudados eram atletas, onde pequenas melhoras podem ser altamente significantes nos resultados esportivos.”
Outra corrente de pesquisadores verifica a atuação da suplementação de creatina como uma substância auxiliar no tratamento de doenças como: artrite, polimiosite, parkinson, alzheimer, atrofia girata, esclerose múltipla, sarcopenia, insuficiência cardíaca, infarto do miocárdio, acidente vascular encefálico, doença pulmonar obstrutiva, imobilizações e pós-operatórios ortopédicos. “Essas pesquisas apontam que a melhor contribuição ocorre nas doenças em que atrofias musculares estão associadas, e nas doenças onde a síntese de creatina ou a ressíntese de ATP estão prejudicadas”, comenta. A participação da creatina no funcionamento do cérebro, também é alvo de investigação dos estudiosos. “Ela participa ativamente do metabolismo cerebral. O armazenamento da substância está nos locais de alta necessidade energética, fornecendo energia para os neurônios através da ressíntese de ATP”, esclarece o médico.
“É responsável pela promoção de diferenciação celular de precursores de neurônios, fato que possivelmente contribui para regeneração neuronal em casos de lesão celular. Populações que têm baixa ingestão protéica, por exemplo os idosos, que não obtém da dieta níveis adequados de creatina, podem se beneficiar de uma suplementação, obtendo melhoras do desempenho intelectual.” Esses estudos apontam ainda que a deficiência de ingestão protéica na infância, como o não consumo de carnes, que contêm creatina em maiores quantidades, e as síndromes de nascimento com deficiência de creatina prejudicam o desenvolvimento e a capacidade intelectual. Nestes casos, também têm se utilizado a suplementação de creatina, com melhoras do desempenho.
DR. LUCAS CASERI CÂMARA Médico especializado em Fisiologia do Exercício e Treinamento Resistido na Saúde, na Doença e no Envelhecimento – CECAFI – FMUSP. E especializado em Fisiologia do Exercício – CEFE – UNIFESP. Mestrando em Ciências (Fisiopatologia Experimental) – FMUSP.
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