Dr. José Maria Santarem
Até pouco tempo o treinamento resistido (TR), ou musculação, era contraindicado para hipertensos. A base para evitar esta recomendação tinha três hipóteses: o TR poderia produzir elevações perigosas da pressão arterial; o TR poderia agravar a remodelação adversa do miocárdio (alterações do volume e espessura) produzida pela doença; o TR não seria eficiente para reduzir a pressão arterial de repouso em hipertensos. “A prudência diante dessas hipóteses, mas também a convicção dominante na época no sentido de que os exercícios aeróbicos eram os únicos promotores de saúde, levaram associações médicas a condenarem a musculação para hipertensos”, afirma José Maria Santarem, fisiatra e reumatologista, doutor em medicina pela USP, coordenador do Instituto Biodelta. “Com o passar do tempo, evidências em contrário a essas hipóteses foram se acumulando na literatura científica. Algumas evidências recentes têm indicado que o TR talvez seja o mais eficiente tipo de exercícios para estimular a produção de miocinas, as substâncias anti-inflamatórias produzidas pelo músculo esquelético em atividade, evitando assim a aterosclerose e, consequentemente, as doenças cardiovasculares.”, ressalta o médico.
Os estudos mais recentes verificaram que as elevações acentuadas da pressão arterial somente ocorrem na prática do treinamento resistido na situação de esforços máximos. Esse tipo de esforço somente ocorre em atletas de força, em competições de levantamento de peso e no treinamento dessas modalidades esportivas. O treinamento resistido habitual, visando hipertrofia e força muscular, não necessita desse tipo de esforço.
No aspecto da remodelação do miocárdio, verificou-se que a hipertrofia induzida pelo TR é fisiológica, sem efeitos adversos para a saúde; além disso, somente ocorre em atletas com grandes volumes e intensidades de treinamento, o que não é frequente no TR habitual.
No que diz respeito à redução da pressão arterial de repouso induzida por exercícios em pessoas hipertensas, evidências mais recentes demonstraram que o TR também tem esse efeito, embora menos acentuado do que os exercícios aeróbicos. Assim, diante das evidências disponíveis, as associações médicas passaram a aceitar a musculação como parte dos programas para a saúde, mas muito mais em função dos seus benefícios para evitar ou tratar as doenças e disfunções musculoesqueléticas do que pelos seus efeitos promotores de saúde cardiovascular, incluindo o tratamento da hipertensão arterial sistêmica.
Esta revisão de literatura exemplifica a situação atual do conhecimento: o trabalho utilizou técnicas sofisticadas de análise estatística e selecionou 64 trabalhos, com um total de 2.374 participantes que estudaram o efeito redutor de pressão arterial de repouso do TR não associado com outras formas de exercício em pessoas hipertensas. Apenas 15% dos participantes utilizavam medicamentos anti-hipertensivos, embora 33% dos trabalhos não tivessem essa informação. A maioria dos estudos teve a duração entre 4 e 6 meses, três sessões semanais com cerca de 8 exercícios e aproximadamente 3 séries de 10 a 12 repetições por exercício com cargas próximas a 70% de 1 RM.
Como resultados gerais, o TR isolado reduziu a pressão arterial de repouso nos mesmos níveis dos obtidos com exercícios aeróbicos em outras revisões ou de forma mais acentuada. Os resultados hipotensores foram maiores do que os previamente reportados para os exercícios aeróbicos principalmente nas pessoas com hipertensão mais acentuada, nos hispânicos-latinos, asiáticos e afrodescendentes, e nos que treinaram mais do que três vezes por semana. Nesses casos os efeitos hipotensores chegaram a ser o dobro dos reportados para exercícios aeróbicos.
Este trabalho é um marco no conhecimento sobre efeitos hipotensores dos exercícios e deve influenciar decisivamente as recomendações de atividade física para prevenir e tratar a hipertensão arterial. O que se espera é que as associações médicas passem a considerar o TR isolado como eficiente e recomendável para o controle da doença hipertensiva arterial.
Fonte: Dr. José Maria Santarem é doutor em medicina pela Universidade de São Paulo, fisiatra e reumatologista pela Associação Médica Brasileira, consultor científico da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte, diretor do Instituto Biodelta e coordenador do site acadêmico www.treinamentoresistido.com.br
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