“Exercício físico envelhece”. “Corrida envelhece”. Não é difícil achar quem já falou isso – e mais fácil ainda é encontrar quem já ouviu. Mas, no geral, trata-se de um mito. “Cabe aqui uma consideração: se fazer exercícios físicos envelhece, por que indivíduos ativos vivem mais e melhor? Quando se trata especificamente da pele, dependendo do exercício físico podemos ter aspecto mais jovial, com a pele ainda mais saudável, ou ter aspecto mais envelhecido. Temos de explicar com teoria, com ciência”, diz a cirurgiã plástica Dra. Beatriz Lassance, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e do Colégio Brasileiro de Medicina do Estilo de Vida.
A médica explica que a pele é o maior órgão do corpo humano; é a defesa primária de todo o organismo contra doenças e infecções além de nos proteger de traumas e até condições climáticas. “A pele é um órgão complexo, capaz de se adaptar para garantir o bom funcionamento de todo o organismo”, diz. “Existem algumas teorias que influenciam as variações do envelhecimento. Uma delas é sobre o estresse oxidativo. Para respirar, pensar, dormir, caminhar, existe um gasto de energia que gera naturalmente radicais livres. Nosso organismo é perfeito e possui uma defesa antioxidante com vitaminas, sais minerais e enzimas capazes de até reparar moléculas danificadas. Quando há excesso de radicais livres ou diminuição da defesa antirradicais livres chamamos de estresse oxidativo. Este equilíbrio deve ser nosso objetivo ao longo da vida, com medidas que diminuem a produção de radicais livres e/ou aumentem as defesas antioxidantes. Inúmeras doenças são associadas a esse desequilíbrio. E a pele também sofre, o excesso de radicais livres afeta fibras de colágeno e elastina produzindo envelhecimento da pele tão grande quanto fotoenvelhecimento causado pelos raios solares”, explica a médica.
E onde entra o exercício físico nessa história? Uma organela presente na célula, chamada mitocôndria, é a usina de energia e está presente em todas as células do organismo. “É a mitocôndria que transforma o oxigênio e a glicose que consumimos em ATP, que é utilizado para todas as funções das células. Usamos ATP para pensar, respirar, contrair músculos, produzir hormônios etc. E como efeito colateral da produção de energia, radicais livres são formados. Radicais livres são moléculas instáveis, faltam ou sobram elétrons e elas têm de se juntar a outras moléculas para se estabilizarem. Dependendo dessa reação, a molécula “atacada” tem seu funcionamento alterado, pode ser uma proteína como colágeno, elastina, hormônio, gordura. Quando os radicais livres foram identificados e percebeu-se que maior a produção de energia, maior a produção de radicais livres, surgiu a teoria que exercício físico envelhece. Mas se exercício físico envelhece, como as pessoas ativas vivem mais e melhor e envelhecem menos? O exercício físico de moderada intensidade aumenta um pouco a quantidade de radicais livres, mas provoca uma produção ainda maior de antirradicais livres. Ou seja, estimula nosso sistema antioxidante”, destaca a Dra. Beatriz.
A médica explica que, quando produzimos muita energia (consumo de muito açúcar, por exemplo) e não utilizamos essa energia (sedentarismo), ela se acumula na mitocôndria, e isso é grave, ameaça toda a sobrevida da célula, como uma usina nuclear com excesso de produção. “Ela simplesmente explode. Antes da célula sofrer, o núcleo celular, onde fica o nosso DNA, rapidamente manda matar a mitocôndria. Sem mitocôndria, sem produção extra de ATP, sem risco de morte para a célula. Porém, o lixo produzido pela morte das mitocôndrias é ruim (chamados DUMPS), são radicais livres e substâncias que causam inflamação em todo nosso corpo, podemos comparar a lixo atômico. Essa inflamação de forma constante afeta os vasos com doenças cardiovasculares, afeta o cérebro predispondo a doenças neurológicas como Alzheimer, aumenta a incidência de câncer e diabetes. Mas, se utilizamos a energia produzida, uma quantidade adequada de radicais livres é formada, e nosso DNA é avisado por eles que estamos utilizando energia e merecemos mais mitocôndrias. O núcleo passa a produzir substâncias que provocam o aumento do número de mitocôndrias, além de melhorar ainda mais o funcionamento delas. O lixo atômico é reciclado em novas mitocôndrias, essa produção é o maior antioxidante que podemos oferecer ao nosso organismo”, explica a Dra. Beatriz Lassance.
Segundo a cirurgiã, a maior concentração de mitocôndrias é dentro dos músculos, de forma que quanto mais músculos, mais mitocôndrias, maior a capacidade antioxidante de nosso organismo e, por isso, menor a incidência de qualquer doença e mais retardado será nosso envelhecimento. “Em todos os órgãos. Todos, inclusive a pele”, diz a Dra. Beatriz. “Em pacientes sedentários a produção de radicais livres pelas mitocôndrias é tão pequena que não há qualquer estímulo para produção de defesa antirradicais livres: aí chegamos no estresse oxidativo. Uma produção moderada de radicais livres provoca, como resposta, um aumento ainda maior nas defesas antirradicais livres. Essa teoria vai ao encontro da máxima de Friedrich Nietzsche: “O que não te mata te fortalece”. Como se a agressão sofrida pelos radicais livres provocasse uma reação protetora ainda maior, preparando o organismo para exercício ainda mais intenso. Na ciência essa conta se chama hormesis. É o mecanismo de adaptação ao exercício físico. É um estímulo saudável, aquela dorzinha no dia seguinte ao treino, sensação de que os músculos foram exercitados”, destaca.
Trabalhos recentes mostraram que os músculos em atividade são capazes de produzir substâncias chamadas mioquinas que estimulam a produção de colágeno. “Os pesquisadores mostraram inclusive reversão do processo de envelhecimento com melhora da qualidade da pele em pacientes que fizeram exercício de resistência por 12 semanas. Os trabalhos comprovam ainda que imediatamente após uma sessão de exercícios físicos moderados aumentou a concentração de hormônio de crescimento e substâncias responsáveis pelo aumento do número de mitocôndrias tanto nos músculos quanto na pele”, comenta.
Por fim, a médica enfatiza, no entanto, que se o exercício físico é intenso demais, chamado de exercício físico extenuante, a quantidade de radicais livres formada é enorme e a defesa não é suficiente: o resultado também é o estresse oxidativo. Por isso, atletas de alta performance podem apresentar envelhecimento da pele mais acentuado e mais precoce, principalmente se não tiverem aporte adequado de nutrientes. “Ou seja, para não envelhecer: mitocôndrias e equilíbrio! Podemos traduzir em: dieta balanceada e saudável, exercício físico moderado, filtro solar e hidratação adequada. Simples assim. Força na sua fábrica de mitocôndrias”, finaliza a médica.
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