PALAVRA DO ESPECIALISTA

Artigo - Fórum de Fisiologia Humana: Aspectos clínicos da resposta inflamatória no organismo em medicina molecular

Os mistérios do funcionamento da máquina humana com o tema Inflamação.

Fórum de Fisiologia Humana: Aspectos clínicos da resposta inflamatória no organismo em medicina molecular Crédito: Banco de imagens

INFLAMAÇÃO

A inflamação (do Latim inflammatio, atear fogo) ou processo inflamatório é uma reação do organismo a uma infecção ou lesão dos tecidos. O processo inflamatório caracteriza-se como um mecanismo de defesa do organismo, e esta defesa constitui na ação de destruir (fagocitar), diluir (através de plasma extravasado) e isolar (através de malha de fibrina) o antígeno ou agente agressor, além de iniciar o processo reparativo de cicatrização e regeneração do tecido que lesionado. A inflamação costuma ser dividida em três fases: inflamação aguda, resposta imunológica e inflamação crônica. Podemos dizer que a reação inflamatória aguda é, normalmente, uma resposta de proteção localizada do nosso organismo, quanto à capacidade de combater infecções, remover e reparar tecidos danificados por lesões de origem física, química, ou biológica, visando destruir, diluir, ou isolar o agente agressor. O processo é iniciado e conduzido por mediadores de origem celular e plasmática que atuam localmente, promovendo sinais característicos desta resposta, tais como: dor, calor, rubor e tumor, acompanhados ou não da perda de função do tecido ou órgão afetado. Desse modo, clinicamente, a reação inflamatória manifesta-se de maneira estereotipada e independente da natureza do estímulo, podendo ocorrer pequenas variações dependentes do tecido ou órgão afetado, e da coexistência de estados patológicos (doenças).

 

PADRÃO DE RESPOSTA INFLAMATÓRIA

Os vários mediadores inflamatórios, incluindo as citocinas, normalmente atuam no sentido de restringir as conseqüências e a extensão do dano tecidual, induzindo somente os sinais locais. Porém, dependendo da persistência e/ou intensidade da lesão, as citocinas podem difundir-se e mediar sinais e sintomas sistêmicos, percebidos clinicamente ou através de exames complementares, como febre, aumento da produção de proteínas de fase aguda, leucocitose, ativação do sistema complemento, alterações metabólicas e das concentrações plasmáticas de metais como ferro, cobre e zinco. Essa resposta sistêmica é denominada Resposta de Fase Aguda (RFA), sendo que tais eventos moleculares são mediados por diversas moléculas secretadas por células ativadas, as quais possuem a finalidade de ativar ou aumentar aspectos específicos da inflamação, A esses elementos, chamamos de compostos pró-inflamatórios, significando que eles promovem a inflamação e esses, por sua vez, são classificados em quatro grupos:

  • Elementos com propriedades vasoativas de leve contração muscular,
  • Elementos que atraem outras células (chamados de quimiotáticos), enzimas e glicoproteínas.

O evento de inflamação no organismo humano, culmina no aumento do número de monócitos circulantes e da produção destas células na medula óssea, assim como, a redução do tempo de permanência destas células na circulação, uma vez que elas migram para o foco da lesão. Já no sítio inflamatório, os macrófagos se ativam e passam a produzir grandes quantidades de metabólitos reativos do oxigênio e nitrogênio (também conhecidos como Radicais Livres - H O , O -, OH-, NO, ONOO-, o que lhes confere alta capacidade microbicida e tumoricida. A ativação envolve a interação de citocinas com receptores na membrana dos macrófagos, desencadeando uma série de eventos moleculares, que incluem a hidrólise de fosfatidilinositol, formação de diacilglicerol, alterações na concentração de cálcio citosólico, ativação de proteína quinase C, fosforilação de proteínas e alterações na expressão gênica.

 

BASES MOLECULARES DA INFLAMAÇÃO

Todo o processo inflamatório envolve a expressão de uma ampla série de proteínas inflamatórias que incluem: citocinas, quimiocinas, enzimas que catalisam mediadores inflamatórios, receptores para mediadores inflamatórios e moléculas de adesão. Vários destes elementos são expressos em células normais sob condições habituais, porém têm sua produção aumentada por mecanismos específicos, como por exemplo, nas doenças inflamatórias. Podemos dizer que o padrão de expressão das citocinas determina, em grande parte, a natureza e a persistência da resposta inflamatória, pois as mudanças na transcrição desses genes são reguladas por diversos fatores de transcrição e o excesso de ativação dos fatores de transcrição pode ser responsável pela prolongação da liberação de citocinas inflamatórias. A ativação transcricional é um processo complexo podendo envolver múltiplas vias de transdução de sinais intracelulares, incluindo as proteínas quinases como o Mitogen-activated Protein Kinases (MAPK), Janus Kinase” (JAK) e Proteinoquinase C (PKC), estimuladas por receptores da superfície celular. A ativação das vias MAPK pelo estímulo pró-inflamatório conduz a ativação de vários fatores de transcrição, como ElJ-1, c-Myc, cJun, c-Fos, SRF e C-enhancer Binding Protein ß (C/EBPß), anteriormente denominado NF-IL6. Os fatores de transcrição podem também ser ativados diretamente por ligantes (por exemplo, corticóides) ou serem ativados dentro do citoplasma, expondo os sinais de localização nuclear, translocando-se para o núcleo. Algumas citocinas como o TNF-α e as interleucinas-1B -4, -5, -10 e -13, atuam por meio de receptores específicos, sendo vários sistemas de segundo mensageiro que são requeridos na ativação de fatores de transcrição dependentes de sinais, como o Nuclear Factor Kappa β (NF-κβ), fator de transcrição AP-1 e o Signal Transducer and Activators of Transcription (STAT).

 

FATOR NUCLEAR KAPPA B

O fator nuclear kaapa β (NF-κβ) foi descrito por Sem e Baltimore em 1986 como uma proteína reguladora da expressão gênica de imunoglobulinas em linfócitos B. Atualmente sabe-se que este fator também está envolvido na transcrição de diversos genes ligados à resposta imunoinflamatória, entre outros genes envolvidos na apoptose e na transformação neoplásica celular (cânceres). Atualmente está bem relatado na literatura que o NF-κB é um dos reguladores mais importantes da expressão de genes pró-inflamatórios. Como por exemplo, a ativação da expressão do ciclooxigenase 2 (Cox-2), que é uma enzima essencial para produção de prostaglandinas e tromboxanas no processo inflamatório, e muitos dos elementos moleculares envolvidos em várias doenças inflamatórias como artritre reumatóide, asma, sinusite, entre outras.

 

ASPECTOS CLÍNICOS DA INFLAMAÇÃO – OCORRÊNCIA DE DOENÇAS INFLAMATÓRIAS

Podemos dizer que atualmente, apesar do avanço do conhecimento da fisiopatologia e farmacologia da dor e da inflamação, os resultados do tratamento ainda não são satisfatórios, pois o emprego das diversas opções terapêuticas não é capaz de inibir por completo o início e a manutenção do processo inflamatório sem riscos, custos ou efeitos colaterais. Os medicamentos antiinflamatórios representam um grupo numeroso de fármacos empregados no tratamento da dor e da inflamação, sendo constituídos de compostos heterogêneos que, em muitos casos, não estão relacionados quimicamente, estando divididos em duas principais classes:

  • Antiinflamatórios Não-Hormonais (AINE);
  • Antiinflamatórios hormonais (corticosteróides).

Os antiinflamatórios AINES impedem a conversão das prostaglandinas no processo inflamatório, porém, possuem uma meia vida plasmática e biológica curta, tornando-os assim mais seguros e com menos efeitos colaterais em relação aos antiinflamatórios hormonais (corticoesteróides), que possuem uma meia vida plasmática e biológica mais prolongada. Todos os antiinflamatórios AINE são, via de regra, anti-agregantes plaquetários e podem provocar hemorragias gástricas duodenais ou sistêmicas, sendo que o representante mais conhecido deles é, sem dúvida, o ácido acetilsalicílico (AAS).

 

INIBIDORES FARMACOLÓGICOS DO NF-ΚB (NF- KAPPA B)

A partir do conhecimento do NF-κB como elemento fundamental da inflamação, este fator tornou-se alvo para novos tratamentos antiinflamatórios, viabilizando novas gerações de medicamentos antiinflamatórios e a rediscussão do mecanismo de ação dos já existentes. Alguns fármacos (AINES) são inibidores farmacológicos de COX-1 e 2, sendo que esta inibição pode ser seletiva, não-seletiva ou altamente seletiva. Podemos citar um exemplo de um fármaco desta classe é o Ácido Acetilsalicílico, onde desde 1971, seu mecanismo de ação antiinflamatória é conhecido por inibir inespecificamente a COX 1 e 2, que por sua vez inibe a produção de prostaglandinas. Atualmente trabalhos da literatura abordam a inibição do NF-κB como principal mecanismo de ação do AAS, por bloquear a fosforilação da IκB, inibindo o sítio de ligação da IKKα, impedindo, portanto, a expressão dos genes que codificam as ciclooxigenases. Após a descoberta, de que o AAS era um inibidor de NF-κB, vários grupos de pesquisa começaram a investigar se outras substâncias farmacológicas, desta mesma classe, também possuíam o mesmo efeito inibitório sobre este fator em concentrações compatíveis com os utilizados na terapêutica, visto que outros antiinflamatórios não hormonais como sulfasalazina, trifusal, ibuprofeno, tepoxalina, indometacina também são inibidores de NF-κB. Os glicocorticóides e os corticosteróides são amplamente utilizados como antiinflamatórios e imunossupressores e também são inibidores de NF-κB. Os glicorticóides ligam-se a receptores plasmáticos específicos para glicorticóides (RGs), funcionando como segundos mensageiros e ativando a expressão de genes também envolvidos na resposta imunológica, sempre quando ocorre a ligação de cortizol endógeno, promovendo assim os mecanismos endócrinos. Já os glicocorticóides sintéticos como a dexametasona e hidrocortizona, por sua vez, ligam-se aos receptores RGs com afinidade semelhante aos hormônios endógenos, tornando-se complexos de alta afinidade de ligação com o DNA. O complexo penetra no núcleo, ligando-se em promotores gênicos específicos ocasionando a indução da transcrição destes genes

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como abordado nesse artigo, o processo inflamatório provém de uma reação imunológica do organismo humano frente a ameaças que possam quebrar a homeostase (equilíbrio interno). Nosso organismo apresenta inúmeros mecanismos capazes de promover ajustes finos para atingir a homeostase, visto que o desequilíbrio interno é encarado como uma condição incompatível com a vida por nossos sistemas e desse modo o organismo inicia o processo inflamatório através de complexas reações bioquímico-metabólicas, possuindo diversos desdobramentos que iremos abordar nos próximos artigos adiante, cuja a principal função é elucidar os mistérios do funcionamento da máquina humana.

Dr. Edson Carlos Z. Rosa

Cirurgião, Fisiologista e Pesquisador em Ciências Médicas, Cirúrgicas e do Esporte

Diretor do Instituto de Medicina e Fisiologia do Esporte e Exercício (Metaboclinic Institute), Diretor Executivo do Centro Nacional de Ciências Cirúrgicas e Medicina Sistêmica (Cenccimes) / Diretor Executivo da União Brasileira de Médicos-Biocientistas (Unimédica) /  Presidente e Fundador da Ordem Nacional dos Cirurgiões Faciais (ONACIFA), Presidente e Fundador da Sociedade Brasileira de Medicina Humana (SOBRAMEH) e Ordem dos Doutores de Medicina do Brasil - ODMB, Doutor em Ciências Médicas e Cirúrgicas (h.c),

Pós-graduado em Clínica Medica - Medicina interna, Medicina e Fisiologia do Esporte/Exercício, Nutrologia e Nutromedicina, Fisiologia Humana Geral aplicada às Ciências da Saúde.

Escritor e Autor de Diversos Artigos na área de Medicina Geral, Medicina e Endocrinologia do Esporte, Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Neurociência e Comportamento Humano.

Fundador-Gestor do e-Comitê Mundial de Médicos do Desporto e Exercício (Official World Group of Sports And Exercise Physicians), Fundador-Gestor Internacional de Cirurgiões Craniomaxilofaciais (The Official World Group of Craniomaxilofaciais Surgeons).

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