PALAVRA DO ESPECIALISTA

Artigo - Mecanismos bioquímicos do cigarro eletrônico e sua influência na saúde pulmonar

O cigarro eletrônico (e-cigarro), originalmente introduzido como uma alternativa menos prejudicial ao tabagismo convencional, tem sido amplamente adotado, especialmente entre os jovens

Artigo - Mecanismos bioquímicos do cigarro eletrônico e sua influência na saúde pulmonar Crédito: Banco de imagens

As evidências emergentes sugerem que o uso de e-cigarros não é isento de riscos. Este artigo revisa os mecanismos bioquímicos associados ao uso do cigarro eletrônico e sua influência na saúde pulmonar, destacando as principais substâncias químicas envolvidas e seus efeitos sobre o tecido pulmonar. Com base na análise da literatura atual, é discutido como esses mecanismos contribuem para o desenvolvimento de patologias respiratórias.

1. INTRODUÇÃO

Os cigarros eletrônicos, dispositivos que aquecem um líquido contendo nicotina para produzir um aerossol inalável, têm ganhado popularidade desde seu surgimento na primeira década do século XXI. Embora inicialmente vistos como uma alternativa mais segura ao cigarro tradicional, estudos recentes questionam essa percepção. O líquido do cigarro eletrônico contém uma mistura complexa de substâncias, incluindo nicotina, propilenoglicol, glicerol, aromatizantes e outras substâncias químicas que podem gerar produtos tóxicos durante o processo de vaporização. Este artigo explora os mecanismos bioquímicos associados ao uso de cigarros eletrônicos e como esses mecanismos impactam a saúde pulmonar.

2. COMPONENTES QUÍMICOS DO CIGARRO ELETRÔNICO

2.1 Nicotina

A nicotina é o principal componente psicoativo presente nos líquidos de cigarros eletrônicos. Embora seja amplamente reconhecida por seu papel na dependência química, a nicotina também exerce efeitos diretos sobre o sistema respiratório. Ela pode causar vasoconstrição, comprometendo o fluxo sanguíneo nos tecidos pulmonares, e promover a inflamação, contribuindo para o desenvolvimento de doenças respiratórias crônicas.

2.2 Propilenoglicol e Glicerol

O propilenoglicol e o glicerol são solventes usados para dissolver a nicotina e os aromatizantes nos líquidos dos cigarros eletrônicos. Quando aquecidos, esses solventes podem se decompor em compostos tóxicos, como formaldeído e acroleína. Esses compostos são conhecidos por seus efeitos citotóxicos e genotóxicos, além de serem irritantes respiratórios potenciais, promovendo a inflamação pulmonar e danos ao tecido epitelial respiratório.

2.3 Aromatizantes

Os aromatizantes adicionados aos líquidos dos cigarros eletrônicos variam amplamente, mas muitos deles podem ser potencialmente tóxicos quando inalados. Certos compostos aromáticos, como a diacetil, têm sido associados a condições como a bronquiolite obliterante, uma doença pulmonar grave e irreversível.

3. MECANISMOS BIOQUÍMICOS E EFEITOS CELULARES

3.1 Estresse Oxidativo

O estresse oxidativo é um dos principais mecanismos pelos quais os componentes do cigarro eletrônico podem causar danos pulmonares. A inalação de aerossóis de e-cigarro leva à produção de espécies reativas de oxigênio (ROS), que danificam lipídios, proteínas e DNA nas células pulmonares. Esse dano oxidativo contribui para a apoptose celular e inflamação crônica, ambos fatores-chave no desenvolvimento de doenças respiratórias, como a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).

3.2 Inflamação Pulmonar

Os aerossóis de cigarro eletrônico ativam uma resposta inflamatória no tecido pulmonar. Essa ativação ocorre principalmente através da ativação de vias pró-inflamatórias, como o fator de transcrição nuclear kappa B (NF-κB) e a via dos inflamassomas. A inflamação resultante pode levar ao remodelamento das vias aéreas, fibrose pulmonar e exacerbação de condições pré-existentes, como asma.

3.3 Alterações na Barreira Epitelial

O epitélio respiratório atua como a primeira linha de defesa contra agentes inalados. A exposição contínua aos componentes dos aerossóis de cigarro eletrônico pode comprometer a integridade dessa barreira, aumentando a permeabilidade epitelial. Isso facilita a entrada de patógenos e outras substâncias tóxicas nos tecidos subjacentes, exacerbando a inflamação e promovendo a progressão de doenças pulmonares.

4. EFEITOS CLÍNICOS NA SAÚDE PULMONAR

4.1 Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)

Embora o cigarro eletrônico tenha sido inicialmente promovido como uma alternativa menos prejudicial ao cigarro convencional, evidências crescentes sugerem que seu uso pode estar associado ao desenvolvimento de DPOC. Os mecanismos bioquímicos descritos, incluindo estresse oxidativo, inflamação crônica e dano epitelial, são fundamentais para a patogênese da DPOC. Estudos mostram que usuários de longo prazo de e-cigarros apresentam redução significativa na função pulmonar, medida pela capacidade vital forçada (CVF) e pelo volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1).

4.2 Bronquiolite Obliterante

A bronquiolite obliterante, uma doença rara e grave caracterizada pela inflamação e fibrose das pequenas vias aéreas, tem sido associada à exposição a certos aromatizantes presentes nos líquidos de cigarro eletrônico, como o diacetil. Este composto foi anteriormente vinculado a casos de “pulmão de pipoca” em trabalhadores de fábricas de alimentos, e evidências sugerem que usuários de e-cigarros estão em risco semelhante.

4.3 Pneumonia Lipoide

A pneumonia lipoide é uma condição rara, mas potencialmente grave, que pode ocorrer devido à inalação de glicerol presente nos líquidos de cigarro eletrônico. Estudos de caso documentam a presença de material lipídico nos macrófagos alveolares de usuários de e-cigarro, sugerindo que a inalação crônica pode levar ao desenvolvimento desta condição.

5. DISCUSSÃO

Os cigarros eletrônicos representam uma nova classe de dispositivos de entrega de nicotina que, embora inicialmente considerados uma alternativa mais segura ao tabagismo, levantam sérias preocupações de saúde. Os mecanismos bioquímicos descritos neste artigo elucidam como a exposição aos componentes dos aerossóis de e-cigarros pode comprometer a integridade pulmonar, promovendo o desenvolvimento de doenças respiratórias graves. A variabilidade nos componentes dos líquidos de cigarro eletrônico, aliada à falta de regulamentação rigorosa, agrava esses riscos, tornando necessário que os profissionais de saúde estejam atentos aos potenciais efeitos adversos do uso desses dispositivos.

6. CONCLUSÃO

Embora os cigarros eletrônicos sejam frequentemente promovidos como uma alternativa menos prejudicial ao tabaco tradicional, as evidências acumuladas sugerem que eles podem induzir efeitos adversos significativos na saúde pulmonar. Os mecanismos bioquímicos envolvidos, como o estresse oxidativo, a inflamação pulmonar e as alterações na barreira epitelial, desempenham um papel direto na patogênese das doenças respiratórias associadas ao uso de e-cigarros. Há uma necessidade urgente de estudos de longo prazo e regulamentações mais rigorosas para entender plenamente e mitigar os riscos associados ao uso de cigarros eletrônicos.

REFERÊNCIAS

1. McNeill, A., et al. (2018). “Evidence review of e-cigarettes and heated tobacco products 2018”. Public Health England.

2. Gotts, J. E., et al. (2019). “What are the respiratory effects of e-cigarettes?” BMJ, 366, l5275.

3. Chun, L. F., et al. (2017). “Pulmonary toxicity of e-cigarettes”. American Journal of Physiology-Lung Cellular and Molecular Physiology, 313(2), L193-L206.

4. Crotty Alexander, L. E., et al. (2018). “Electronic cigarettes: The new face of nicotine delivery and addiction”. Journal of Thoracic Disease, 7(Suppl 2), S82-S85.

5. Wang, Q., et al. (2020). “Electronic cigarette use and its impact on lung function: A systematic review and meta-analysis”. BMC Pulmonary Medicine, 20(1), 241.

Dr. Edson Carlos Z. Rosa

Cirurgião, Fisiologista e Pesquisador em Ciências Médicas, Cirúrgicas e do Esporte

Diretor do Instituto de Medicina e Fisiologia do Esporte e Exercício (Metaboclinic Institute), Diretor Executivo do Centro Nacional de Ciências Cirúrgicas e Medicina Sistêmica (Cenccimes) / Diretor Executivo da União Brasileira de Médicos-Biocientistas (Unimédica) /  Presidente e Fundador da Ordem Nacional dos Cirurgiões Faciais (ONACIFA), Presidente e Fundador da Sociedade Brasileira de Medicina Humana (SOBRAMEH) e Ordem dos Doutores de Medicina do Brasil - ODMB, Doutor em Ciências Médicas e Cirúrgicas (h.c),

Pós-graduado em Clínica Medica - Medicina interna, Medicina e Fisiologia do Esporte/Exercício, Nutrologia e Nutromedicina, Fisiologia Humana Geral aplicada às Ciências da Saúde.

Escritor e Autor de Diversos Artigos na área de Medicina Geral, Medicina e Endocrinologia do Esporte, Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Neurociência e Comportamento Humano.

Fundador-Gestor do e-Comitê Mundial de Médicos do Desporto e Exercício (Official World Group of Sports And Exercise Physicians), Fundador-Gestor Internacional de Cirurgiões Craniomaxilofaciais (The Official World Group of Craniomaxilofaciais Surgeons).

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