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Artigo - Recrutamento vascular mesentérico e a prática de exercícios físicos: faz mal comer e se exercitar?

Este artigo revisa a relação entre o recrutamento vascular mesentérico e a prática de exercícios físicos após a ingestão alimentar

Artigo - Recrutamento vascular mesentérico e a prática de exercícios físicos: faz mal comer e se exercitar? Crédito: Banco de imagens

A relação entre Gastroenterologia e Medicina do Esporte, nos mostra que o fluxo sanguíneo mesentérico e a prática de exercícios físicos tem sido foco de interesse na medicina esportiva e clínica, particularmente quanto aos efeitos da prática de exercício após a ingestão alimentar. Fisiologicamente, o sistema vascular mesentérico é responsável pela perfusão do trato gastrointestinal, facilitando a absorção de nutrientes. Entretanto, o exercício físico impõe demandas competitivas ao organismo, aumentando a necessidade de perfusão muscular e redistribuindo o fluxo sanguíneo. Este artigo discute se há contraindicações fisiológicas e metabólicas em realizar exercícios físicos logo após a ingestão alimentar.

2. Fisiologia do Fluxo Sanguíneo Mesentérico

O fluxo sanguíneo mesentérico está diretamente relacionado às necessidades metabólicas do sistema digestivo, principalmente no período pós-prandial. Após a ingestão alimentar, ocorre uma redistribuição do fluxo sanguíneo para o trato gastrointestinal, priorizando a digestão e absorção de nutrientes. O sistema nervoso parassimpático desempenha um papel central na vasodilatação mesentérica, facilitando esse recrutamento vascular.

Durante o exercício, entretanto, o sistema simpático é ativado, promovendo vasoconstrição nas regiões não essenciais, como o trato gastrointestinal, e vasodilatação nos músculos ativos. Esse processo sugere uma competição entre a digestão e a atividade física, criando um potencial conflito no recrutamento de recursos hemodinâmicos.

3. Demanda Metabólica e Exercício Físico

O exercício físico, particularmente de alta intensidade, aumenta significativamente as demandas metabólicas do corpo, necessitando de um aumento proporcional no fluxo sanguíneo para os músculos esqueléticos. Essa demanda é regulada pelo sistema cardiovascular, que redistribui o fluxo sanguíneo, reduzindo a perfusão de órgãos viscerais, incluindo o trato gastrointestinal, em favor dos músculos em atividade.

Estudos demonstram que essa redistribuição é crucial para a manutenção do débito cardíaco e da pressão arterial durante o exercício. No entanto, ao competir com o sistema digestivo por esses recursos hemodinâmicos, há um risco de isquemia mesentérica transitória, especialmente em atividades vigorosas realizadas logo após a ingestão de grandes refeições.

4. Efeitos do Exercício Após a Ingestão Alimentar

4.1. Redistribuição Vascular

Após uma refeição, o aumento do fluxo sanguíneo mesentérico é fundamental para a digestão eficiente. Durante o exercício, essa perfusão é comprometida, o que pode resultar em sintomas de desconforto gastrointestinal, como náusea, refluxo, cólicas e, em casos extremos, vômitos ou diarreia.

4.2. Efeitos Sistêmicos e Digestivos

Há evidências de que a prática de exercícios de alta intensidade imediatamente após a ingestão de alimentos pode prejudicar tanto a digestão quanto a absorção de nutrientes. Além disso, a hipóxia temporária no trato gastrointestinal, devido à redução do fluxo sanguíneo, pode levar à má digestão e aumentar a formação de gases intestinais. Em casos mais severos, essa condição pode precipitar complicações como colite isquêmica, especialmente em indivíduos predispostos.

4.3. Implicações no Desempenho Físico

Atletas e praticantes de atividade física que realizam exercícios imediatamente após refeições podem apresentar diminuição no desempenho devido ao desconforto gastrointestinal e à má redistribuição do fluxo sanguíneo. Exercícios intensos aumentam o risco de distúrbios digestivos, enquanto exercícios leves ou moderados, realizados após uma refeição leve, tendem a ter impacto reduzido.

5. Aspectos Clínicos e Populacionais

5.1. População Geral

Em indivíduos saudáveis, a prática de exercícios moderados após uma refeição leve pode ser realizada com segurança, desde que respeitados intervalos adequados entre a alimentação e a prática física. Recomenda-se um período de digestão de aproximadamente 1 a 2 horas para refeições leves, e até 3 a 4 horas para refeições mais substanciais.

5.2. Atletas

Atletas de alto rendimento podem enfrentar maior risco de efeitos negativos associados à prática de exercícios após refeições devido à intensidade de seus treinos. A competição por fluxo sanguíneo entre os músculos e o trato gastrointestinal pode comprometer o desempenho e predispor a desconfortos digestivos. A suplementação líquida ou de fácil digestão pode ser uma alternativa para minimizar esses efeitos.

5.3. Pacientes com Doenças Gastrointestinais

Pacientes com condições como síndrome do intestino irritável, doença inflamatória intestinal ou dispepsia funcional apresentam maior sensibilidade à redução do fluxo sanguíneo mesentérico durante o exercício. Nesses casos, recomenda-se um cuidado adicional na sincronização das refeições com as atividades físicas, a fim de evitar exacerbação dos sintomas gastrointestinais.

6. Evidências Científicas

Vários estudos destacam que a intensidade e o tipo de exercício, assim como o conteúdo da refeição, são determinantes nos efeitos sobre o trato gastrointestinal. Exercícios leves, como caminhada ou atividades de baixa intensidade, têm impacto mínimo sobre o fluxo sanguíneo mesentérico, enquanto atividades de alta intensidade aumentam o risco de isquemia mesentérica transitória.

Por outro lado, estudos clínicos também sugerem que a prática de exercícios de baixa intensidade pode até mesmo favorecer a digestão e melhorar o metabolismo, desde que respeitados os limites individuais e a composição das refeições.

7. Considerações Finais

Embora exista uma competição fisiológica pelo fluxo sanguíneo entre o trato gastrointestinal e os músculos durante o exercício, os efeitos adversos de comer e se exercitar variam de acordo com a intensidade do exercício, o conteúdo da refeição e as características individuais. A prática de exercícios físicos leves ou moderados após uma refeição leve não apresenta riscos significativos para a maioria das pessoas, enquanto atividades de alta intensidade devem ser evitadas até que o processo digestivo esteja mais avançado. Em casos específicos, como em atletas ou pacientes com doenças gastrointestinais, recomenda-se um cuidado adicional para evitar desconfortos ou complicações.

Referências Bibliográficas

1. Hall, J. E., & Guyton, A. C. (2021). Guyton and Hall Textbook of Medical Physiology (14th ed.). Elsevier.

2. Tanaka, M., et al. (2017). “Effects of exercise intensity on gastrointestinal transit time in humans.” Journal of Physiology.

3. Peters, H. P. F., et al. (2001). “Gastrointestinal symptoms and endurance exercise. Part II.” Scandinavian Journal of Medicine & Science in Sports.

Dr. Edson Carlos Z. Rosa

Cirurgião, Fisiologista e Pesquisador em Ciências Médicas, Cirúrgicas e do Esporte

Diretor do Instituto de Medicina e Fisiologia do Esporte e Exercício (Metaboclinic Institute), Diretor Executivo do Centro Nacional de Ciências Cirúrgicas e Medicina Sistêmica (Cenccimes) / Diretor Executivo da União Brasileira de Médicos-Biocientistas (Unimédica) /  Presidente e Fundador da Ordem Nacional dos Cirurgiões Faciais (ONACIFA), Presidente e Fundador da Sociedade Brasileira de Medicina Humana (SOBRAMEH) e Ordem dos Doutores de Medicina do Brasil - ODMB, Doutor em Ciências Médicas e Cirúrgicas (h.c),

Pós-graduado em Clínica Medica - Medicina interna, Medicina e Fisiologia do Esporte/Exercício, Nutrologia e Nutromedicina, Fisiologia Humana Geral aplicada às Ciências da Saúde.

Escritor e Autor de Diversos Artigos na área de Medicina Geral, Medicina e Endocrinologia do Esporte, Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Neurociência e Comportamento Humano.

Fundador-Gestor do e-Comitê Mundial de Médicos do Desporto e Exercício (Official World Group of Sports And Exercise Physicians), Fundador-Gestor Internacional de Cirurgiões Craniomaxilofaciais (The Official World Group of Craniomaxilofaciais Surgeons).

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